Resumo da Excursão
Foto: Edson Costa
Planejamos a travessia da Serra Fina para os dias 5, 6 e 7 de agosto de 2017. O grupo que participou tinha 4 pessoas, depois da desistência de um amigo que ficou gripado. Uma das grandes dúvidas do planejamento foi quanto à quantidade de dias de caminhada. Fizemos a opção por tentar o percurso em três dias, mas acabamos precisando abortar no segundo dia de caminhada. Saímos do Rio de carro na sexta-feira às 17:00 e chegamos no hostel Serra Fina, em Pinheirinhos, às 22:30, depois de uma viagem com direito a engarrafamentos, parada para lanche e neblina pesada. Deixamos nosso carro estacionado na garagem do próprio hostel.
Partimos do hostel às 6:00 do sábado, na kombi do Sr. Antônio, que nos levou até o início da trilha. Começamos a caminhar às 06:55 com 10°C de temperatura. Nosso primeiro dia de caminhada foi feito integralmente dentro de uma nuvem baixa e densa que nos garantiu uma visibilidade média de cerca de 150 metros por todo o percurso. Ao meio dia chegamos ao cume do Capim Amarelo, sem nenhum visual. A temperatura havia subido para 15°C. O terreno estava bem molhado por conta da chuva na noite anterior e pela alta umidade do ar. Caminhamos de anorak e com as capas das mochilas para enfrentar os momentos em que a neblina acabava se transformando numa insistente precipitação.
Nosso plano para o primeiro dia era chegar o mais próximo o possível da nascente do Rio Claro, ponto de água na base da Pedra da Mina. Porém, como não sabíamos como seria nosso desempenho, estávamos levando água para um possível pernoite antes deste ponto. Caminhamos até às 16:30. Já estávamos bem cansados e logo iria começar a escurecer. Montamos acampamento cerca de 2 Km antes do ponto planejado. O local mal comportava nossas três barracas: uma pequena clareira no meio da trilha, cercada de capinzal. Um local ótimo para as cuícas se esconderem.
Já estava bem frio por isso cozinhamos escondidos nos avanços das barracas. Tive que cozinhar com um olho na panela e outro nas cuícas que, insistentemente, tentavam roubar meus ingredientes. Eu estava sentado na porta da barraca. Com as mãos eu preparava a comida à minha frente e, com os pés, assutava as cuícas mais abusadas, que davam botes velozes contra os alimentos. Verifiquei o termômetro às 20:30 e marcava -4°C. Durante a noite acordamos várias vezes não só por conta do frio, mas com o barulho das cuícas rondando as barracas e até mesmo caminhando entre a tenda e o sobreteto.
Acordamos no domingo com os sobretetos das barracas cobertos por uma consistente camada de gelo. O gelo havia se formado não só na parte superior do sobreteto mas também na parte interna, devido à nossa transpiração. Os cardarços das botas haviam se tornado cabos endurecidos. Mais tarde, de volta à cidade, descobrimos pelo G1 que os termômetros haviam registrado uma das temperaturas mais baixas do ano: -7,3°C. Tomamos café da manhã dentro das barracas para adiar o momento de encarar o frio. Saímos da barraca às 06:00. O sol começou a tocar um ponto mais elevado do terreno. Subimos até lá para nos aquecer por alguns instantes. Removemos o gelo e secamos as barracas dentro do possível para começar a caminhar. Durante a desmontagem das barracas, descobrimos que o footprint de uma delas havia sido perfurado pelas cuícas!
Logo no início do segundo dia o grupo já apresentava sinais de cansaço acumulados do dia anterior e da noite mal dormida. Saímos tarde do acampamento e nosso ritmo havia desacelerado. Chegamos no topo da Pedra da Mina em torno do meio dia e decidimos que os mais seguro seria abortar a travessia descendo pela trilha do Paiolinho. A temperatura continuava baixa, mas em compensação o dia havia amanhecido sem uma nuvem no céu. Conseguimos aproveitar o belíssimo visual daquelas montanhas e entendemos porque a Serra Fina é tão fascinante, e tão difícil. A trilha do Paiolinho também é muito bonita. A descida foi muito exigente, o sol estava impiedoso e nossa reserva de água estava quase no fim. Foi um grande alívio quando alcançamos o primeiro ponto d'água do Paiolinho, depois de 3 horas de descida desde a Pedra da Mina.
Foto: Oldair Evaristo
Ao chegar neste ponto de água está terminada a parte mais desgastante da trilha do Paiolinho. Dali até o final foram mais 2 horas de descida suave, com mais dois pontos d'água bem distribuídos. Chegamos na Fazenda Serra Fina às 5:50. Ainda quando estávamos no topo da Pedra da Mina, remarcamos com o Sr. Antônio nosso resgate para às 19:00 no final da trilha do Paiolinho. Aproveitamos o tempo restante para preparar café, chá e bater papo. Pontualmente às 19:00 a kombi do Sr. Antônio estava chegando para nos levar de volta ao Hostel Serra Fina. Pernoitamos na cidade e, na segunda-feira pela manhã, estávamos retornando para o Rio. Apesar de não termos completado o roteiro planejado, foi uma ótima oportunidade para aprender sobre a Serra Fina e nos preparar para a próxima oportunidade. Sem contar com o ótimo visual do segundo dia e a chance de conhecer a trilha do Paiolinho.
Principais Dicas
Terreno
Foto: Edson Costa
- As distâncias a serem vencidas por dia não são muito grandes, seja executando a travessia em 3 ou 4 dias. Mas não se iluda, o terreno fará com que o esforço e o tempo de percurso sejam elevados.
- As montanhas da região tem perfil estreito, dificultando a construção de trilhas em curva de nível. Ao invés de vencer os obstáculos gradativamente pelo costado, as trilhas ali seguem constantemente por cristas e cumeadas, visitando todos os cumes que se apresentam em sua direção. Durante o percurso, você verá que, quando um cume começa a se desenhar na sua frente, pode ter certeza que é pra lá que a trilha vai te levar. Quando você acha que que está quase chegando no topo, estará prestes a descobrir que se tratava de um falso cume, e ainda vai precisar vencer mais alguns metros de elevação. Ao chegar lá cima, vai perceber que o próximo passo é descer do outro lado do monte para subir a montanha mais adiante.
- Prepare-se para alta insolação. A vegetação é composta basicamente de capim rasteiro ou um capinzal da altura de uma pessoa, que além de dificultar a progressão na trilha, também não é muito útil para proteger do sol.
- O terreno muitas vezes é lamacento, em especial no trecho de aproximação para o Capim Amarelo. Naquela forte subida foram instaladas cordas e degraus de madeira para tentar minizar o impacto no solo e facilitar a transposição do lamaçal. Quando percorremos este trecho, para piorar ainda havia chovido na noite anterior. Vários pessoas escorregaram. Não é um trecho com exposição à altura, mas é um convite para já começar a excursão todo enlameado.
Orientação
- A orientação exige atenção por conta do capim, que dificulta muito a visibilidade, e por conta das bifurcações. As bifurcações levam para: trilhas sem propósito, pequenos atalhos, montanhas próximas mas fora da rota (Cabeça de Touro, por exemplo) ou até destinos completamente distintos (como a descida para o Paiolinho).
- Apesar de não existirem placas para orientação, existem vários totens por todo o percurso, bastante confiáveis.
Acampamentos
Foto: Edson Costa
- Existem placas demarcando diversos locais para acampamento e muitos destes locais aparecem registrados em tracklogs na Internet. Mas atenção, a grande maioria destes locais possui pouquíssimo espaço para barracas, fica longe dos pontos de água, possui terreno desnivelado, irregular e com muitas pedras.
- Muitas pessoas preferem dormir no cume das principais montanhas (Capim Amarelo, Pedra da Mina, Três Estados). Mesmo nestes cumes, não há garantia de bons lugares para acampamento, até porque a concorrência é maior. Na Pedra da Mina, por exemplo, notamos que as agências de turismo enviam porteadores com todo o equipamento via Paiolinho e montam lá antecipadamente o acampamento para o clientes.
- Nos cumes não há proteção contra as intempéries, esteja bem preparado para o vento. Nos vales a umidade é alta e, ao amanhecer, o sol demora a alcançar seu acampamento. Isso tornará sua manhã bem mais fria e molhada. Tivemos dificuldade não só para conseguir sair das barracas como também para retirar todo o gelo acumulado no sobreteto.
- Outra desvantagem de acampar nos vales é o cuidado redobrado com os alimentos. Atenção para não perder sua comida para alguma cuíca ou roedor, ou permitir que elas furem sua barraca e mochila tentando alcançar o alimento.
- Todos os acampamentos são selvagens e a Serra Fina é altamente frequentada. Minimamente, traga todo seu lixo de volta, inclusive papel higiênico. O solo é rígido, difícil de cavar. O papel higiênico demora a se degradar e com a erosão vai acabar ficando exposto. Afaste-se das trilhas, fontes de água e áreas de acampamento o máximo possível para fazer suas necessidades. Existem, inclusive, iniciativas de uso de shit tubes na região. Faça a sua parte.
Água
- Pelos relatos existem 4 pontos de água perenes para a travessia: Toca do Lobo, base do Quartzito, base da Pedra da Mina e Vale do Ruah.
- A água da Toca do Lobo é abundante e bem fácil de ser obtida. A desvantagem é que fica bem próxima do início da trilha. Desta vez nossa opção foi sair com a água do hostel, então não coletamos neste ponto.
- A segunda oportunidade de abastecimento fica 1,2 Km depois da Toca do Lobo, na base de uma subida conhecida como Quartzito. Esta água é mais difícil de ser coletada pois é necessário fazer uma pequena descida à direita da trilha para alcançá-la. Como já estávamos com água e nosso tempo era restrito, não fomos avaliar este ponto.
- A terceira oportunidade de abastecimento fica 1,4 Km antes do cume da Pedra da Mina. A trilha passa por um pequeno córrego, mais escasso do que na Toca do Lobo, onde se coleta água sem dificuldade. Este foi nosso primeiro ponto de reabastecimento nesta excursão.
- Como abortamos pelo Paiolinho, não chegamos a conhecer a quarta e última oportunidade de abastecimento, que é o Vale do Ruah. Os relatos contam que a água neste local é bem mais presente do que no restante da travessia. A dica no entanto é deixar para completar as reservas no último ponto disponível, após o Rio Verde, onde ela é mais abundante e, obviamente, mais próxima do destino final.
- Comecei a travessia com 4 litros de água coletados no hostel. Consumi 2,5 litros na caminhada do primeiro dia, jantar e café da manhã do segundo dia. Prossegui com os 1,5 L restantes até o primeiro ponto de água da descida para o Paiolinho, onde fiz o primeiro reabastecimento. Se não tivéssemos desviado para o Paiolinho, os 4 litros teriam durado até o Vale do Ruah. Para referência, meu consumo de água normalmente costuma ser baixo e o primeiro dia foi de temperaturas baixas e sem sol.
Abortando pelo Paiolinho
- A trilha de descida da Pedra da Mina para o Paiolinho é uma rota de escape da travessia completa, mas isso não significa que seja um caminho fácil. São 8 Km de percurso que começam no mesmo estilo da Serra Fina: subindo e descendo por cumeadas. Somente depois de 2,5 Km de percurso a trilha se mantem na descendente constante. As descidas são muito fortes. Tiveram pelo menos dois pontos que preferimos tirar as mochilas para desescalar o lance e prosseguir depois. O acesso à água também não é facil. A primeira aparece a 3,5 Km do início, depois de muita esforço para vencer as encostas.
- A trilha termina na Fazenda Serra Fina, onde há apenas uma casinha habitada por uma senhora que nem sempre está lá. No entorno, apenas estradas de terra e nenhum sinal de celular. Tivemos sorte de conseguir remarcar nosso resgate de carro enquanto estávamos no topo da Pedra da Mina, onde conseguimos sinal da Vivo, com qualidade não muito boa.
Deslocamento e Translado
- As cidades mais próximas do início e fim da Travessia são, respectivamente, Pinherinhos (vizinha de Passa Quatro/MG) e Itamonte (MG). O tempo de viagem para estas cidades, a partir do Rio de Janeiro, de carro, fica em torno de 4 horas. Os dias de caminhada são longos e é necessário começar a andar bem cedo. Sendo assim, o ideal é pernoitar em Pinheirinhos ou Passa Quatro antes de iniciar o percurso.
- O ponto de início da travessia fica a cerca de 50 minutos de carro a partir de Pinheirinhos e ainda mais longe de a partir de Passa Quatro. A estrada é de terra e em péssimo estado de conservação.
- Todos se referem como "Toca do Lobo" ao ponto de início da trilha. A Toca do Lobo é de fato uma toca, bem em frente a um córrego com um bom volume de água. O transporte deixa as pessoas, na verdade, 2 Km antes dali, no último ponto onde é possível trafegar com o veículo.
- Existem várias opções de transporte na região. Abaixo repasso alguns contatos que obtive da Internet. Utilizamos o serviço do primeiro da lista, o Sr. Antônio. Ele foi super pontual e muito atencioso em toda a tratativa, inclusive nas remarcações. Recomendo e pretendo usar novamente. Foi cobrado o valor total de R$ 350, ida e volta, para o grupo de 5 pessoas, pagamento na hora.
Antônio: | (35) 9119-1373 |
Hostel Serra Fina: | (35) 9720-3939 |
Mariomilton: | (35) 9252-6934 |
Amarildo: | (35) 9129-7522 |
Manoel: | (35) 9122 1227 |
Edinho: | (35) 9963 4108 / (35) 9109 2022 / (35) 3371 1660 |
Hospedagem
- Antes e depois da travessia ficamos hospedados no Hostel Serra Fina. Fomos muito bem recebidos pelo Felipe e pelo Cristiano. O hostel é espaçoso e o ambiente agradável. Cristiano é guia da região e nos deu várias dicas com muita cordialidade. O único ponto negativo é a existência de um único chuveiro para atender todos os hóspedes. O espaço foi inaugurado recentemente, então imagino que em breve esta falha será corrigida.
Bons motivos para fazer em 4 dias...
- O lugar é maravilhoso. Será muito bem vindo qualquer tempo adicional para aproveitar o visual. Principalmente se for a primeira visita.
- A travessia é realmente exigente, em especial no quesito desnível acumulado.
- Fazendo em menos dias você possivelmente vai acabar pernoitando fora dos cumes e vai enfrentar mais frio e mais umidade. Como você precisa vencer maior distância por dia, certamente vai precisar sair mais cedo do acampamento e chegar mais tarde. Isso significa que você vai pegar ainda mais frio de manhã e na hora de cozinhar.
- Caso você precise abortar pelo Paiolinho, como nós fizemos, a rota de fuga existe, mas não é uma trilha fácil e ainda há o risco de não conseguir remanejar seu transporte de resgate.
Downloads
- Faça aqui o download do tracklog gravado durante esta excursão.
Publicado em: 19/08/2017
Última atualização: 29/12/2022