Em fevereiro de 2012, havíamos percorrido o tradicional W no Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena. Tivemos uma experiência inesquecível, em um dos locais mais bonitos em que eu já teria pisado. Saímos de lá pensando em quando retornar e, de fato, três anos depois, estávamos novamente chegando ao Parque. Dessa vez, para fazer um roteiro ainda mais extenso do que o predecessor. Além de revisitar o trecho do W, planejávamos completar o Circuito O, e ainda percorrer um trecho adicional ao sul, do Pudeto até o Paine Grande. Como esse trecho extra se conecta ao que seria a parte inferior do "O", apelidamos o nosso roteiro de Circuito "Q". O trajeto mais de 150 Km seria realizado em 12 dias, sendo 3 dias para a perna sul do "Q", e 9 dias para a continuidade no Circuito O tradicional.
Escrevo esse relato 8 anos após a realização dessa excursão. Desde sua execução, vários amigos me procuraram por dicas e informações sobre o Torres del Paine. Tento ajudar com algumas anotações, bilhetes e encartes que guardei na ocasião das visitas. Teria sido útil ter todo esse material melhor organizado. Me arrependo de não ter feito esse registro antes, quando poderia ter capturado mais detalhes, os quais, infelizmente, acabam se perdendo com o passar do tempo. Resolvi finalmente honrar essa belíssima excursão, escrevendo este relato, ainda que tardiamente. De lá pra cá, todavia, muita coisa mudou.
Com exceção das passagens aéreas, que comprávamos com antecedência, praticamente todo o resto da logística podia ser resolvida ao chegar no Chile. As passagens de Punta Arenas para Puerto Natales eram compradas quando chegávamos em Puerto Natales. As passagens de Puerto Natales para o Parque eram compradas em Puerto Natales. Pagávamos o ingresso para o parque na portaria, e os pernoites, pagávamos em dinheiro quando chegávamos nos respectivos acampamentos. Sempre tínhamos um plano bem definido sobre os pontos de pernoite mas, se necessário, poderíamos alterá-lo sem problemas durante a caminhada. Uma escolha que postergávamos para o último minuto, por exemplo, era o sentido de percurso. Se o tempo estivesse aberto na chegada ao Parque, poderíamos inicar com a trilha em direção às Torres. Se não, poderíamos iniciar no sentido contrário, contando com uma melhoria da condições ao final do trajeto.
Hoje, isso não seria possível. Primeiramente, porque os acampamentos precisam ser reservados com grande antecedência. Depois, porque o Circuito O precisa ser percorrido obrigatoriamente no sentido anti horário. Essas alterações certamente vieram em consequência da crescente procura por esse destino, a qual já ocorria, inclusive, na época da nossa primeira visita. Infelizmente, além das burocracias adicionais, os últimos amigos que retornaram de lá relataram casos de furtos de equipamentos no Paine Grande e no Grey. Em um caso, eles próprios foram as vítimas, e um segundo caso, um outro turista. Esse tipo de preocupação não passava na nossa cabeça durante nossas visitas. Me surpreende ouvir esses tristes relatos. Quero acreditar que sejam casos isolados, e torço para que as únicas lembranças trazidas pelos próximos visitantes sejam tão positivas quanto foram as nossas. Apesar da defasagem causada pelo tempo, espero que os registros que faço agora ainda consigam trazer alguma ajuda ou inspiração para outros montanhistas.
Roteiro
No roteiro que planejamos para 2015, iniciaríamos a caminhada ao sul do Circuito O, no Pudeto. A partir dali, faríamos um bate-e-volta no Salto Grande e no Mirador Cuernos, depois seguiríamos até o Campamento Pehoé, onde faríamos nosso primeiro pernoite. No segundo dia, caminharíamos do Pehoé em direção à Administração, e depois até o Campamento Las Carretas, onde faríamos nosso segundo pernoite. No terceiro dia de caminhada, faríamos o trecho Las Carretas até o Paine Grande, onde passaríamos nossa terceira noite. No dia seguinte, começaríamos a percorrer o Circuito O no sentido anti horário, acampando nas próximas noites no Campamento Francês, Campamento Base das Torres, Campamento Central (acampamento Las Torres), Serón, Dickson, Perros, Passo, Grey, terminando a volta novamente no Paine Grande.
Assim, fora a óbvia particularidade do trecho de 3 dias ao sul do Circuito O, vemos que nosso roteiro ainda previa o não usual acampamento na Base das Torres: Ao contrário do que fizemos na primeira visita, e do que a maioria das pessoas faz, decidimos subir com todo nosso equipamento até o último acampamento antes do principal cartão postal do Parque. Nosso objetivo era estar o mais próximo possível para fazer fotos do nascer do sol no local. Conseguimos até realizar essa parte do planejamento, mas a parte inicial do roteiro, "pré circuito O", acabou precisando ser adaptada in loco, conforme conto em mais detalhes abaixo, no diário da viagem. Na tabela a seguir, adianto os dados do roteiro que efetivamente realizamos durante a nossa viagem:
Data | Detalhe | Distância | Tempo | A.M.M. | G.E.A. | P.E.A. |
---|---|---|---|---|---|---|
09/02 | Pudeto x Pehoé (1) | 13,76 Km | 6:05 | 37 m - 110 m | 337 m | 358 m |
10/02 | Pehoé x Administración (2) | 9,58 Km | 3:45 | 24 m - 98 m | 190 m | 205 m |
11/02 | Retorno imprevisto à Puerto Natales (3) | |||||
12/02 | Camping Central x Serón | 13,61 Km | 4:40 | 119 m - 384 m | 646 m | 605 m |
13/02 | Serón x Dickson | 18,33 Km | 6:20 | 158 m - 357 m | 741 m | 704 m |
14/02 | Dickson x Los Perros | 11,34 Km | 5:40 | 204 m - 561 m | 913 m | 565 m |
15/02 | Los Perros x Campamento Paso | 7,96 Km | 6:50 | 432 m - 1179 m | 834 m | 933 m |
16/02 | Campamento Paso x Grey | 6,44 Km | 4:45 | 107 m - 475 m | 381 m | 732 m |
17/02 | Grey x Paine Grande | 10,47 Km | 4:40 | 43 m - 261 m | 476 m | 541 m |
18/02 | Paine Grande x Los Cuernos (4) | 19,87 Km | 9:45 | 39 m - 625 m | 1099 m | 1064 m |
19/02 | Los Cuernos x Campamento Torres | 15,21 Km | 8:10 | 67 m - 582 m | 1368 m | 871 m |
20/02 | Campamento Torres x Camping Central (5) | 11,41 Km | 11:45 | 103 m - 872 m | 775 m | 1219 m |
TOTAL REALIZADO | 137,98 Km | 66:25 | 39 m - 1179 m | 7760 m | 7797 m |
Observação: Nessa viagem não utilizamos GPS para registrar o percurso. O tracklog disponibilizado para download se originou de outro tracklog disponibilizado na internet, que foi editado para representar da melhor forma possível o trajeto que nós realizamos. Os dados de distâncias e altimetria que aparecem acima foram obtidos a partir desse tracklog editado.
Clima
Foto: Juliana Lopes
Qualquer um que planeja uma viagem à Patagônia ouvirá, em algum momento, que a região passa pelas quatro estações do ano em um dia, e que o tempo por lá é imprevisível. Em ambas as nossas visitas experimentamos grandes variações do tempo. Momentos de chuva, vento intenso, frio, e também muito calor, a ponto de me questionar sobre a escolha do auge do verão para realizar o trajeto. Por outro lado, esse ano, um casal de amigos realizou o circuito O praticamente na mesma época em que realizamos nossas visitas, e a sua experiência com o tempo foi totalmente diferente. Sofreram com chuva, neve e frio em grande parte do circuito. O Paso John Gardner foi fechado pelo Parque no dia seguinte à passagem deles. Por pouco, não ficaram impedidos de seguir no O. Apesar de uma situação desse nível ser atípica para a época, tudo isso só reforça a imprevisibilidade característica dessa região.
Foto: Juliana Lopes
Em 2012, tivemos condições climáticas mais hostis, com mais frio, e ventos muito fortes em alguns dias. Em 2015, tivemos menos vento e tempo mais estável. Apesar de não ter feito registros mais precisos da temperatura, verifiquei nas minhas anotações de 2015 que não tivemos muito problema com o frio. Dormi praticamente todas as noites apenas com uma camisa de algodão, e um saco de dormir para zero graus de conforto. Dormi com a segunda pele apenas no pernoite no acampamento Base das Torres. O casaco fleece, luvas e gorro foram muito pouco utilizados. Tiramos as fotos ao lado em uma das instalações do Parque, mostrando a previsão de temperatura para alguns dos dias que estivemos por lá.
Alimentação
Em 2012 as comidas liofilizadas da Liofoods foram motivo de pesadelos. Em 2015, além dos miojos, gostaria de ter contado com os macarrões instantâneos da linha "Hoje Eu Quero" da Maggi. Porém, não os encontrei mais nos mercados desde que voltamos da primeira excursão. Alguns amigos compraram macarrões instantâneos da marca Pastarotti (muito bons), no mercado Zona Sul. Corri atrás destes macarrões, mas infelizmente só encontrei risotos, que tinham o tempo de cozimento longo demais para levar numa excursão desse tipo.
Na falta de alternativas melhores, os liofilizados da Liofoods foram para o Chile novamente. Porém, dessa vez, até conseguiram surpreender positivamente. Fizemos questão de comprar embalagens com data de fabricação o mais recente possível, preparamos os itens atentos às quantidades de água recomendadas, e utilizamos panelas (ao invés de usar as próprias embalagens dos produtos). Adicionalmente, levei cebola e alho para dar um tempero extra no arroz liofilizado. O resultado foi bastante aceitável. As carnes liofilizadas acompanharam bem os ovos mexidos e macarrões, e o arroz acompanhou bem os ovos e strogonoff. O strogonoff liofilizado em si estava com um bom sabor, em especial, acompanhado das batatas palhas (não liofilizadas). Até mesmo o arroz sem o refogado adicional, se mostrou com um sabor muito aceitável.
Apesar do volume e peso para transportar, e do trabalho que dão na limpeza da louça, os ovos mexidos foram um bom complemento. Usando as embalagens de transporte apropriadas, os ovos se comportaram muito bem, embora naturalmente exijam maior cuidado na manipulação e organização da mochila. Não houve nenhum ovo quebrado. E resistiram também ao clima. Pegaram trilhas com bastante insolação e mesmo assim, não estragaram. Os ovos consumidos na última noite do Circuito O duraram crus, 9 dias desde a data de compra até a data de consumo. O cálculo de 2 ovos mexidos, por pessoa, por refeição se mostrou bastante apropriado. Garanti que haveria uma refeição de intervalo entre cada refeição com ovo mexido para evitar problemas digestivos e nem se tornar repetitivo. O tempero com sal, salsa e manjericão desidratados foram bem-vindos.
Por conta das restrições de transporte de alimentos, não é possível levar alimentos frescos direto do Brasil para o Chile. Em linhas gerais podemos levar apenas produtos industrializados, desidratados, nas embalagens originais. E os chilenos parecem ser bem criteriosos com essa fiscalização. Nas duas visitas, as bagagens de um ou mais participantes do nosso grupo foram inspecionadas. Em pelo menos uma das experiências, perdemos algumas embalagens de alimentos que continham carne, mesmo sendo desidratada. Minha recomendação para os amigos é sempre responder com "sim" no formulário de imigração, sobre estar transportando alimentos para o Chile. Quando o fiscal abordar para saber o quê você está levando, economize no espanhol e tente se limitar a dizer duas frases "comida desidratada para caminada" e "Torres del Paine". Os melhores resultados obtidos em nossas experiências foram assim. Mantenha juntos os alimentos e saiba onde estão na bagagem.
Apesar da questão da alfândega, recomendo levar tudo que não for alimento fresco, direto do Brasil. Pelo menos, quando fizemos nossas viagens, a mobilidade em Punta Arenas não é das melhores e, chegando em Puerto Natales, os mercados são limitados quanto aos horários de funcionamento e disponibilidade de itens. Chegando nas cidade, é bom começar logo a procurar os alimentos que estão faltando para compor o cardápio. Em 2015, o item que causou mais preocupação foi a carne. Gostaria de ter comprado linguiça calabresa daquelas que ficam fora da refrigeração, mas só encontrei presuntos fatiados e refrigerados. Acabei encontrando em um mercadinho menor, Jamon Serrano fatiado em uma embalagem de 200g que estava fora da refrigeração, e supus que duraria bastante tempo assim. Foi ingenuamente carregado nas costas até o penúltimo dia de circuito, quando, no acampamento Base das Torres, descobri que tinha começado a estragar. Acabou sendo transportado de volta para Natales apenas para ser descartado.
Diário
06/02 - 08/02) Rio de Janeiro → Punta Arenas → Puerto Natales
Foto: Juliana Lopes
Não tenho muitos registros da viagem antes da nossa chegada ao Parque. Sei que voamos para o Chile pela Lan. Olhando os bilhetes, vi que embarcamos para o Chile no Rio de Janeiro às 18:55 do dia 06/02. Fizemos um voo com escala de quase 4 horas em Santiago, antes de seguir para Punta Arenas. Chegamos em Punta Arenas já no dia 7, às 5:25. Lembro que nos instalamos num hostel e ficamos lá morrendo de sono, fazendo hora até que as lojas se abrissem. Partimos então para a compra de alimentos e alguns equipamentos. Pernoitamos ainda em Punta Arenas no dia 7, e seguimos para Puerto Natales no dia 8. Em Natales, nos instalamos na Casa Cecília, um simpático hostel que conhecemos em 2012. Em Natales possivelmente fizemos mais algumas compras nos mercadinhos locais, e organizamos nossas mochilas para iniciar a caminhada no dia seguinte.
09/02) Pudeto → Pehoé
Deixamos Puerto Natales em direção ao Parque com nossas cargueiras lotadas. Pela minha memória, eu estava carregando 23 Kg. Desses 23 Km, mais de 8 Kg consistiam apenas de alimentação. É o preço a ser pago por um circuito de 12 dias totalmente autônomo, em acampamento móvel. Hoje em dia, com um pouco mais de tecnologia e mais experiência, certamente teria conseguido reduzir uma boa parte desse peso. Um exemplo é o gás. Levamos praticamente 1 cartucho de 230g por pessoa, quando apenas 1 por dupla teria sido mais do que suficiente. Outro bom exemplo é a quantidade de alimentos. Somando-se os suprimentos levados em excesso, seja por puro erro de cálculo, ou por precaução exagerada, foram quase 2 Kg de alimentos que retornaram para cidade sem uso. Dentre esses itens, o lamentável Jamon Serrano que estragou.
O ônibus nos deixou no parque na Portaria Laguna Amarga, onde preenchemos os formulários de ingresso. Pagamos 18.000 pesos por pessoa nos ingressos. Creio que ali, pagamos por um outro transporte que opera internamente no Parque, para nos levar por mais alguns quilômetros de estrada até o Pudeto, ponto onde começamos a caminhar. Deixamos as cargueiras em algum local abrigado e, às 11:15 partimos para a visita ao Salto Grande e ao Mirador Cuernos. O Salto Grande é uma bonita e imponente cachoeira de águas cor azul turquesa. Porém, pra mim, a parte mais bonita de todo o trecho "pré Circuito O", foi o Mirador dos Cuernos. Em conjunto com as Torres, a formação dos Cuernos é a minha favorita no Parque. O Mirador, localizado na margem oposta do Lago Nordernskjöld, fornece um visual frontal belíssimo, diferente de qualquer outro obtido a partir dos circuitos W ou O.
Após uma caminhada de cerca de 7,5 Km com bastante contemplação, às 15:15 estávamos de volta às cargueiras para seguir viagem. Às 15:40 colocamos os pés na estrada, literalmente, em direção ao Campamento Pehoé. Do Pudeto até nosso ponto de pernoite, percorremos uma estrada de cascalho de cerca de 6,5 Km, com belo visual do Lago Pehoé. Chegamos ao destino às 17:50. Pagamos 9.000 pesos por pessoa pelo pernoite no acampamento.
10/02) Pehoé → Administración
O destino planejado para esse dia era o Campamento Las Carretas, onde faríamos nosso segundo pernoite no Parque. Às 11:15 estávamos novamente com nossas mochilas nas costas, retornando para a estrada. À nossa direita, o belo visual das águas azul turquesa do Rio Paine. Passamos pelo Salto Chico e, apesar do céu mais nublado, ainda conseguíamos admirar ao longe o Maciço Paine. Cruzamos a ponte Weber e às 15:00 chegávamos na Administración, após percorrer cerca de 9,5 Km na estrada. Finalmente, estávamos prestes a colocar os pés na primeira trilha propriamente dita do roteiro: o trecho de cerca de 7,5 Km da administração até o Campamento Las Carretas. Uma curiosidade é que, atualmente, essa trilha só pode ser percorrida no sentido sul, ou seja, saindo do Paine Grande e descendo até a administração.
As coisas porém acabaram saindo bem diferente do planejado. Por conta de bolhas nos pés e dores nos joelhos, parte do nosso grupo concluiu que não teria condições de dar continuidade ao roteiro. Eles retornariam à Puerto Natales para se recuperar. Fariam algumas outras atividades mais tranquilas na região e, a depender da evolução do quadro, tentariam retornar para o Parque alguns dias depois, para fazer apenas o circuito W. Com as baixas, acabaria que eu precisaria seguir sozinho até o Paine Grande. No Paine Grande eu encontraria com um outro amigo que estava vindo do Brasil e, independentemente de toda essa história, já havia combinado de se juntar ao grupo para realizar apenas o circuito O. No final das contas, preferi retornar para Natales com o resto da equipe, encontrar com esse amigo na cidade, e voltar para o Parque para iniciar o Circuito O junto com ele.
O ônibus para Natales fazia uma parada na própria administração. Com clima de derrota total, permanecemos ali aguardando para retornar. Creio que embarcamos às 18 horas no ônibus, e devemos ter chegado em Natales pouco antes das 21 horas. Não encontramos vagas na Casa Cecília, e ainda arrastando nossas mochilas gigantes, tivemos que buscar algum lugar para ficar de última hora. Passamos a noite no Hostal Los Pinos.
11/02) Puerto Natales
Não tenho muitos detalhes sobre esse dia. Sei que encontramos com o amigo que iria me acompanhar no circuito O, e o grupo fez um belo almoço no restaurante Picada de Carlitos. Lembro também de ter acompanhado o pessoal que ficaria na cidade em pesquisas de preços sobre aluguel de carro e passeios para os dias de recuperação. Creio que o pernoite tenha sido realizado novamente no Hostal Los Pinos.
12/02) Camping Central → Campamento Serón
Com o grupo da caminhada agora reduzido a apenas um amigo e eu, embarcamos em Puerto Natales novamente no ônibus para o Torres del Paine. Realizamos mais uma vez o processo de entrada e seguimos de ônibus, desta vez, para o Camping Central, ponto de acesso para o Hotel Las Torres, para a trilha de acesso às Torres e para a trilha rumo ao Serón. Preferimos dar início ao circuito nesse ponto, e realizá-lo no sentido anti horário. Reservamos a subida até as Torres para o último dia, quando eventualmente teríamos nos reencontrado com o restante do grupo e poderíamos desfrutar juntos da "cereja do bolo".
Demos início à caminhada às 11:20. Após a frustração dos dias anteriores, estava muito feliz de poder estar finalmente colocando os pés na trilha. Havia também um sentimento de certa nostalgia, por estar novamente pisando naquele lugar tão especial 3 anos depois e, ao mesmo tempo, muita expectativa pelos trechos que não tinham sido cobertos na primeira visita, durante o W. O tempo estava ótimo e trilha até o Serón foi muito agradável. Sem passagens muito íngremes, começou com um belo visual de uma planície à nossa direita e, na segunda metade, atravessou um maravilhoso campo de margaridas.
Inspirado na boa experiência que tive na visita anterior, insisti no uso da calça impermeável. A trilha é em boa parte desprotegida do sol. Precisei andar com a respiração lateral da da calça aberta para reduzir o calor. Já no primeiro dia senti que deveria ter dado preferência para a calça de caminhada normal. Chegamos ao Serón às 16:00, após quase 14 Km de percurso. Local do camping muito agradável. Pagamos 8600 pesos por pessoa. Oferecia banho quente e banheiro limpo. Ventava bastante. Dormi com saco de dormir de zero graus de conforto aberto, apenas de camisa de algodão e meia.
13/02) Serón → Dickson
Iniciamos a caminhada às 10:40. Continuamos atravessando alguns campos de margaridas para encarar em seguida uma subida puxada, com belo visual. Mais uma vez, foi um dia de muito sol, trilha desprotegida, cansativa, e agora, sem vento. O calor marcou forte presença e, ao longo dos mais de 18 Km de percurso do dia, comecei a ter a sensação de uma bolha se formando no pé esquerdo. Seguimos curtindo o visual fantástico das montanhas nevadas no horizonte, incluindo a fase norte do Maciço Paine, até então desconhecida por nós. Tivemos uma bela vista do Lago Paine, e ficamos extasiados com o visual na aproximação ao acampamento Dickson. A abordagem ocorre de um ponto mais elevado, onde é possível se admirar o lindo Lago Dickson, com o seu glaciar ao fundo, e a estrutura do acampamento às suas margens.
Chegamos ao acampamento às 17:00. Simultaneamente cansado e entusiasmado com a chegada naquele local incrível, me aprecei em retirar as botas e cometi o erro primário de transitar descalço pela área do acampamento. Logo nos primeiros metros, pisei numa ponta de raiz que se pronunciava para fora da terra, e acabou furando a sola do meu pé esquerdo. O mesmo pé em que eu havia acabado de confirmar a formação de bolha. Para completar os incidentes com os pés, ainda no início manhã daquele dia, eu havia tratado um ferimento em um dedo com band-aid. Com a longa caminhada, a fricção do band-aid no dedo vizinho também havia causado uma bolha. Sensação péssima por ter cometido erro básicos logo nos primeiros dias de uma longa caminhada. Só restava tratar os ferimentos e aprender com a experiência.
O pernoite no acampamento do Dickson custou 4300 pesos por pessoa. Apesar de ser uma localização fantástica, a infra estrutura não estava tão boa quanto no Serón. Não havia banho quente e acho que haviam apenas duas duchas para banho, sendo que em uma delas, a porta estava quebrada, resultando em uma longo fila de montanhistas aguardando sua vez para a ducha com porta. Uma senhora muito animada e bem humorada segurava uma lona plástica na frente da porta quebrada, enquanto uma amiga tomava banho lá dentro. Ao mesmo tempo, provocava os jovens na fila a terem coragem de tomar banho com sua proteção improvisada. O pessoal ria das suas piadas, enquanto ela apontava para eles dizendo "chicken! chicken!", fazendo as asas da galinha com os cotovelos contra o corpo.
Dia 3 - 14/02) Dickson → Perros
Acordamos com uma chuva fina e insistente causada por algumas nuvens baixas. Fizemos café da manhã sob a chuva, que nos deu trégua apenas para a desmontagem da barraca. Usamos uma toalha para secar o sobreteto, bastante molhado pela chuva. Havia lavado uma camisa de algodão na noite anterior e ela estava seca. O vento constante facilitou muito a secagem das roupas. Fiz praticamente todo o circuito vestindo camisas e meias limpas, pois era fácil lavá-las e garantir que estavam secas para uso no dia seguinte. Antes de partir, fiz um dreno com linha na bolha e tratei o ferimento na sola do pé, que aparentava ter sido superficial. Calcei uma meia fina junto com a meia de caminhada para tentar minimizar a fricção.
Partimos às 11:20. Fiz a trilha em ritmo mais lento e escolhendo onde pisar para preservar o pé machucado. Cheguei a sentir um pouco de dor durante a caminhada, mas bastante tolerável. Apesar de ser a trilha com maior aclive acumulado até o momento, foi a que achei mais agradável. A chuva fina nos acompanhou durante quase toda caminhada, aliviando o calor que passamos nos dois primeiros dias. Além disso, a trilha seguiu praticamente o tempo todo por dentro de uma floresta linda, incrivelmente verde. O percurso se encerra com chave de ouro, de cara para o Glaciar Puma. Infelizmente, o tempo bastante nublado não nos permitiu ter uma visibilidade completa da formação. Encerramos nossa caminhada de 11,3 Km no simpático acampamento Los Perros, onde chegamos às 17:00.
Lavei novamente camisa e meias, que, graças ao vento, se secaram antes mesmo de irmos dormir. Apesar do tempo bem mais frio, não dispensamos o banho congelante na ducha do acampamento, causando espanto em alguns outros estrangeiros menos dispostos a encarar a água gelada, ou menos preocupados com a limpeza. Ao contrário dos dias anteriores, no Los Perros havia um local fechado para cozinhar. Com o frio e o vento, acaba se tornando algo de muito valor. Principalmente para o preparo de refeições mais trabalhosas. Nessa época, ainda não conhecia as comidas liofilizadas mais eficientes, e precisava fazer malabarismo com que era possível.
15/02) Los Perros → Campamento Paso
No nosso quarto dia de circuito O, estávamos ansiosos para fazer a famosa passagem pelo Paso John Gardner, o ponto mais elevado do circuito com 1180 metros de altitude. Iniciamos o percurso um pouco mais cedo do que nos dias anteriores, às 9:50. Assim que deixamos os acampamento Los Perros, a trilha já começa a ganhar elevação, e segue assim até o topo do Paso. A floresta verdejante dá lugar a uma atmosfera totalmente diferente, composta basicamente por rocha e gelo. A subida é exigente, com muitas pedras e desabrigada do sol. O dia estava aberto, sem chuva. Felizmente, meu pé já estava melhor. Seria difícil andar sobre tantas pedras com dores. O caminho era sinalizado por estacas de madeira fincadas entre as pedras, dispostas com uma considerável distância entre elas. Como estavam fazendo dias de relativamente bastante calor, não encontramos neve no caminho, exceto acumulada em alguns bolsões aqui ou ali.
Após três horas de percurso, chegamos ao topo. Fomos presenteados com um lindíssimo visual do glaciar. É um dos pontos mais bonitos e interessantes de todo o circuito. Em 2012, quando percorremos um trecho da trilha após o Grey, ao lado do glaciar, já havíamos nos encantado com o visual daquele universo totalmente diferente do que estávamos acostumados. Mas ali no Paso, estávamos bem mais alto e conseguíamos ver o imenso campo de gelo se estendendo a perder de vista. Realizada a passagem pelo colo, inicia-se uma interminável descida rumo ao Campamento Paso. Em um grande trecho a trilha é formada por degraus bem altos, uma tortura para os joelhos. Pouco antes da chegada ao acampamento, passamos por uma linda ravina com uma cachoeira. Chegamos ao acampamento às 16:40. Foram 8 Km de percurso. Um dia exigente, principalmente pela subida e descida do Paso, porém achei mais agradável do que o segundo dia de caminhada.
O acampamento Paso era gratuito, e hoje em dia, encontra-se fechado. Quem sai do Los Perros precisa seguir viagem por mais 6,5 Km até o acampamento Grey. Essa opção já tinha sido a preferência de alguns amigos que fizeram o mesmo circuito, mesmo antes do fechamento. Primeiramente, porque reduz a quantidade de dias de percurso, e consequentemente a carga transportada. Depois, porque o Campamento Paso era, sem dúvida, o pior acampamento do circuito. Para começar, era pequeno, com poucos lugares para barraca e lugares ruins. Um local frio, na borda do glaciar. O banheiro era uma cabine com um buraco no chão e uma corda pendurada sobre o buraco, supostamente para que a pessoa se segurasse ao se agachar (privada turca). Havia um abrigo apertado e super simples (basicamente um telhado com uma única parede) para cozinhar. E obviamente, sem chuveiro. Pela primeira noite no circuito dormimos sem nosso banho congelante. Durante a noite, descia uma brisa fria pela encosta ao lado da nossa barraca e soprava na lateral do meu saco de dormir. Foi a primeira noite em que a combinação saco de dormir e camisa de algodão não foi suficiente para evitar um pouco de frio ao longo da noite.
16/02) Paso → Grey
Iniciamos a caminhada rumo ao Campamento Grey às 11:15. Com 6,5 Km de distância a ser percorrida, seria o trecho mais curto do circuito. A trilha consiste, basicamente, em continuar a descida que vínhamos fazendo no dia anterior, margeando o Glaciar Grey até chegarmos na sua extremidade, no encontro com o Lago Grey. Esse trecho ainda não faz parte do trajeto usualmente classificado como o Circuito W, mas em nossa excursão de 2012, já havíamos o percorrido. Isso porque adicionamos um dia extra no nosso roteiro, justamente para explorar essa região. Assim, essa era a primeira vez nessa temporada em que eu sentia uma certa familiaridade com o percurso. Eu lembrava, por exemplo, que esse dia seria marcado pela travessia de enormes gargantas (ravinas) formadas pelas montanhas às margens do glaciar.
Para cruzar a primeira ravina, próxima ao acampamento Paso, foi preciso descer cuidadosamente até o fundo da ravina e ascender pela encosta oposta. Foi preciso ter atenção às pedras soltas e ao terreno super erodido. Para auxiliar a travessia, existia uma escada de alumínio amarrada na beira da garganta. A segunda ravina do dia é bem maior, e com travessia ainda mais delicada. Nos deparamos com uma enorme ponte suspensa, mas ela ainda não havia sido inaugurada. Tivemos que cruzar a ravina também contando com escadas de alumínio amarradas, tanto para a descida em uma margem, quanto para a subida na outra. Tivemos que entrar na escada com cuidado, principalmente por conta do equilíbrio com as mochilas cargueiras. Por fim, já próximo do acampamento Grey, atravessamos a terceira e última ravina, dessa vez, através de outra linda ponte suspensa, que já se encontrava em operação.
Na nossa visita de 2012, ainda não existia nenhuma das pontes, e suspeito que também não havia todas as escadas de alumínio. No relato daquela excursão, mencionei as passagens arriscadas e vislumbrei como seria mais complicado realizá-las com mochilas cargueiras (na ocasião, havíamos feito o trecho apenas com mochilas de ataque, a partir do Grey). A ponte suspensa mais próxima ao Grey foi inaugurada um ano após nossa primeira visita, em janeiro de 2013. A segunda ponte, foi inaugurada em 2015, e teria sido inaugurada no dia seguinte a nossa passagem, segundo informações que obtivemos mais tarde em conversas no Parque. Mais recentemente, em 2017, foi inaugurada a terceira ponte para facilitar a travessia da ravina mais próxima ao Paso.
Entre a segunda e terceira ravinas, passamos pelo Campamento Los Guardas e notamos que ele estava sendo utilizado como base para a equipe de construção da ponte pênsil. O Campamento Los Guardas era outro acampamento bem simples, que não sei se hoje em dia ainda está em operação. Chegando nas proximidades do Grey, avistamos uma bela baía com icebergs que se desprendem do glaciar. Creio que foi também durante o trecho final de aproximação ao Grey, que tivemos a feliz surpresa de reencontrar com nossos amigos que haviam ficado em Puerto Natales. Eles haviam se recuperado e iniciado o Circuito W posteriormente. Dali em diante, poderíamos concluir o trajeto com toda a equipe reunida, como havia sido planejado inicialmente.
Chegamos ao Grey às 16:00. Montamos a barraca na belíssima área de camping e aproveitamos para fazer uma caminhada pelo entorno. Fomos até o Mirador Grey e descemos até uma outra baía cheia de icebergs, às margens do Lago. Além da região do Grey já fazer parte do Circuito W, que é um trajeto mais popular, ainda recebe visitantes que chegam até o local usando a embarcação que trafega pelo Lago Grey. Deste ponto em diante, o clima das trilhas mudaria bastante. O Circuito O é consideravelmente mais vazio, proporcionado uma maior sensação de tranquilidade e imersão naquele ambiente remoto e primitivo. O trecho do W também é fantástico por suas belezas naturais, mas a experiência acaba sendo afetada pelo número bem maior de visitantes. Pagamos 4300 pesos por pessoa para acampar. A área de jantar estava super cheia, apenas 1 pia para atender a todos, e com fila para o banho quente.
17/02) Grey → Paine Grande
Tivemos bastante vento durante à noite. Daqueles que fazem as barracas se curvarem, atrapalhando o sono dos seus ocupantes. Adiamos o despertar. Desarmamos o acampamento sob chuva fraca, que foi passando até sairmos na trilha. Partimos às 11:10 rumo ao Paine Grande, pela primeira vez com a equipe completa reunida. Nosso sexto dia de caminhada teria 10,5 Km de extensão. Aos poucos, fomos deixando para trás o fantástico paredão frontal do Glaciar Grey. Atravessamos a região que, em 2012, havia sido devastada por um incêndio florestal histórico. Quando passamos por ali em 2012, caminhávamos sobre as cinzas e entre troncos de árvores carbonizados. Naquela ocasião, na chegada ao Parque, os guardas recomendavam aos visitantes proteger os olhos e vias aéreas das cinzas que eram suspensas pelos fortes ventos. Agora, na passagem em 2015, aparentemente, a vegetação já estava se reestabelecendo, embora ainda se observasse muitos sinais da tragédia.
A trilha até o Paine Grande, além de relativamente curta, também é bem modesta quanto ao desnível. Apenas cerca de 500 metros, tanto de aclive, quanto de declive acumulados. Chegamos ao nosso destino às 15:50. Foi muito legal chegar ao Paine Grande e encontrá-lo em processo de recuperação. A aérea em torno do abrigo fora uma das mais afetadas pelo incêndio. Havíamos iniciado o Circuito W nesse ponto, que parecia um terreno devastado por uma explosão. Uma grande planície coberta apenas de cinzas. Agora, a vegetação rasteira já tomava o lugar, criando um lindo contraste com as águas azuis do Lago Pehoé. Apesar de preferir os acampamentos isolados, foi interessante ver as dezenas de barracas multi coloridas espalhadas pelo gramado. Com acesso de catamarã, o Paine Grande é um dos pontos mais movimentados do Parque. Muitos utilizam o local como ponte de partida para os grandes circuitos, ou para fazer uma trilha bate e volta até o Grey e arredores.
Pagamos 4300 pesos por pessoa para acampar. Além da ampla área de acampamento, no local existe um belíssimo abrigo de montanha, onde também servem refeições para os que estão de passagem. Não resistimos a tentação de jantar dentro daquele local fechado, e não precisar cozinhar mais um prato de liofilizados. Pagamos 11.200 pesos por uma refeição incluindo frango, purê apimentado, sopa, uma salada simples e suco. O banho estava frio, mas não congelante como em outras paradas sem tanta estrutura.
18/02) Paine Grande → Cuernos
Acordamos com o céu nublado, prenúncio de que iríamos encontrar o tempo fechado para a subida do Vale do Francês. Na visita anterior, havíamos passado pela mesma situação, e acabamos abortando a subida no meio do Vale. Tomamos café da manhã no refeitório lotado do Paine, com apenas 1 pia para todo aquele povo. O mesmo problema de sobrecarga que vimos no Grey. Partimos para caminhada às 09:15, bem mais cedo que os outros dias, pois sabíamos que tínhamos um longo caminho pela frente. Nosso destino no sétimo dia de Circuito O era alcançar o Campamento Cuernos. No meio do caminho, tentaríamos novamente a subida até o final do Vale do Francês, totalizando 23,5 Km a serem percorridos no dia.
Após 3 horas de caminhada, percorremos pouco mais de 7 Km de distância, alcançando o Campamento Italiano, bem na boca do Vale do Francês. O acampamento Italiano é gratuito, possui uma área bem ampla para as barracas, não há ducha para banho, mas existem banheiros com vaso sanitário. A logística de muitos grupos acaba optando por não parar ali. É comum as pessoas deixarem suas cargueiras abrigadas em baixo das árvores, fazerem a visita ao Vale do Francês num bate-e-volta mais leve e recuperarem posteriormente as cargueiras para seguir viagem. Foi o que fizemos em 2012, e também faríamos dessa vez. Conforme prevíamos, o tempo estava fechado. Deixamos nossas cargueiras enroladas no sobreteto da barraca para evitar que ficassem molhadas caso a chuva chegasse. Partimos para subida do Vale.
Subimos por cerca de 2 horas, alcançamos o Mirador Francês e certamente mais além, mas a chuva também havia nos alcançado. Com o ritmo do grupo relativamente lento e sem boa visibilidade da paisagem, mais uma vez optamos por abortar a subida. O Vale do Francês é um local belíssimo, lamentamos não ter conseguido novamente aproveitar o local ao máximo. Retornamos para o Campamento Italianos, recuperamos as cargueiras e, às 16:10, estávamos dando continuidade ao percurso rumo ao Cuernos. Meia hora depois, alcançamos o Campamento Francês. Não tenho muitos registros da nossa passagem por lá em 2012. Talvez ainda não estivesse em operação. O local possuía banheiros modernos, mas área de acampamento era um tanto esquisita. Fica numa encosta, onde construíram diversos deques de madeira para as barracas. Cada deque comporta uma barraca. E são diversos deles empoleirados na encosta. Passa a sensação de que forçaram a barra para abrir uma área de acampamento onde não havia espaço para isso. Tentamos nos informar com algum funcionário, mas não encontramos ninguém. Ficamos sem entender muito bem como funciona aquele local.
Antes de alcançar o Cuernos, a trilha se aproxima do Lago Nordernskjöld. Esse foi um dos pontos mais emocionantes da visita em 2012. A beleza do local havia me encantado profundamente, e conseguiu me emocionar novamente. Paramos de novo na mesma praia de seixos roliços e ficamos ali observando o Lago. Um amigo mais corajoso fez questão de mergulhar nas águas congelantes do Nordernskjöld. Seguimos por mais 30 minutos nesse trecho lindíssimo, até chegar no Campamento Cuernos em torno das 19:00. Apesar da beleza do local, nossa passagem pelo Cuernos, mais uma vez, não foi das melhores. Assim como da última visita, o local estava lotado, restando poucos locais para as barracas, e os locais restantes eram péssimos.
Tivemos também um desentendimento com os gestores do local. Acho que estavam expulsando do refeitório, de forma muito rude as pessoas que estavam acampadas. Creio que estavam dando prioridade para os clientes que havia alugado os "domos dormitório". Ficamos chateados com o tratamento e, em resposta, basicamente nos disseram que estávamos numa área particular, podiam fazer o que queriam e, se quiséssemos, poderíamos ir embora. Uma das coisas bem estranhas no Torres del Paine é, de fato, essa divisão entre a área pública e a área privada, com duas empresas diferentes administrando as áreas de acampamento. Não sei o histórico de tudo isso, mas essa mistura às vezes acaba gerando uma experiência negativa para os turistas.
19/02) Cuernos → Base das Torres
Uma das lembranças mais marcantes que tenho do clima patagônico, foi da noite no Cuernos em 2012, onde pegamos um dos ventos mais fortes que já vivenciei. Felizmente, dessa vez, apesar do frio do lado de fora das barracas, tivemos uma noite sem vento ou chuva. Às 11:10 partíamos para nosso oitavo dia de Circuito O. Seriam pouco mais de 15 Km, acumulando 1400 metros de aclive até o Campamento Base das Torres. Foi um dia de muito sol em uma trilha pouco protegida. Esse dia competiu com o trecho Serón x Dickson pelo primeiro lugar em termos de desgaste físico causado, sobretudo, pelo calor ao longo da trilha.
A trilha começa já ganhando altitude, e vamos observando o Campamento Cuernos ficando pequeno atrás de nós. Seguimos às margens do belo Nordernskjöld, e temos ótimos visuais da formação do Cuernos. Às 14:40, alcançamos a bifurcação para o Abrigo Chileno. Nesse ponto, uma alternativa é seguir pela planície, passando pelo Hotel Las Torres e chegar no Camping Central. Dessa vez, como planejávamos ver o nascer do sol nas Torres, tomamos o caminho que sobe pelo Valle Ascencio. O trecho que segue até o Abrigo Chileno tem um bonito visual. Às 17:00 passamos pelo Chileno. A partir dali, a trilha ficou mais agradável, com mais árvores. Chegamos no Campamento Base das Torres às 19:30. A área de acampamento é agradável, bem arborizada. O acampamento é gratuito, sem ducha, banheiro sujo e área de cozinhar horrível. Era necessário reservar o pernoite, o que havia sido feito na chegada à portaria do Parque. Cansados, formos dormir na expectativa para o ataque às Torres no dia seguinte.
20/02) Ataque às Torres → Camping Central
Nosso nono e último dia de Circuito O começou mais cedo do que todos os anteriores. Deixamos o acampamento montado, e às 5:30 da manhã estávamos partindo apenas com as mochilas de ataque em direção ao lago na base das famosas Torres. Como estávamos saindo ainda no escuro, e havíamos ganhado certa altitude no dia anterior, apostei no frio da madrugada e, ingenuamente, comecei a caminhada com segunda pele completa, fleece e anorak. Logo nos primeiros minutos, já estava apenas de camisa e anorak. Notamos que na manhã não estava tão frio quanto na noite anterior. Começamos a trilha ainda com as lanternas de cabeça, mas no trecho final da aproximação, já estávamos caminhando com a claridade do amanhecer.
A trilha do nosso acampamento até o lago das Torres tem 1,3 Km, com 300 metros de ganho de elevação. Às 7 da manhã chegávamos pela segunda vez no cartão postal do Parque. O lugar é fantástico, uma beleza arrebatadora. Às duas visitas que tive o privilégio de fazer valeram totalmente a pena. Dessa vez, porém, a experiência do amanhecer no lago não foi tão bem sucedida quanto esperado. Graças à topografia do local, não se tem muito visual do nascer do sol propriamente. Além disso, o dia estava bastante nublado. As Torres infelizmente não se iluminaram com o sol como gostaríamos de ter visto. Algumas nuvens insistiam em ficar bloqueando parte das Torres. Por sorte, ainda conseguimos ter alguma visibilidade. Permanecemos ali contemplando até as 9:30, quando iniciamos a descida de volta ao acampamento.
Às 11:00 estávamos de volta às barracas. Desmontamos o acampamento e 12:30 iniciamos a descida do Valle Ascencio. Tivemos muitas nuvens o dia inteiro, que podem ter atrapalhado a visita às Torres, mas proporcionaram um clima bastante agradável para caminhar. Às 14:00 passamos novamente pelo acampamento chileno, algumas gotas de chuva começaram a cair, mas não se prolongaram por muito tempo. Após o Chileno, tomamos a bifurcação em direção ao Hotel Las Torres, nos separando do caminho que havíamos percorrido no dia anterior. Após tantos dias de caminhada, somados ao esforço extra da subida das Torres, essa descida final já se mostrava bastante sacrificante para parte do grupo. Finalizamos a caminhada às 17:15 no acampamento central, onde aproveitamos para tomar um banho antes da partida para Puerto Natales. Já no ônibus, tivemos um pequeno susto quando uma pedra da pista de cascalho foi projetada por outro veículo contra o nosso ônibus, estilhaçando uma janela. Felizmente, ninguém se feriu. Em Natales, tivemos uma aventura final. Sem conseguir táxi na rodoviária, ainda fizemos uma caminhada de despedida com nossas cargueiras até o Hostal Casa Cecília.
21/02 - 23/02) Puerto Natales → Punta Arenas → Rio
Não tenho muitos registros sobre os dias que sucederam o circuito. Sei que passamos pelo menos o dia seguinte ao circuito em Puerto Natales, curtindo a cidade. A cidade é bem agradável, com lojas de equipamentos de montanhismo, bons restaurantes e uma bonita área costeira. E sei também que aproveitamos a passagem por Punta Arenas para jantar novamente no restaurante La Luna, que gostamos muito na visita de 2012. Embarcamos de volta para o Rio às 6:30, num voo saindo Punta Arenas, com uma escala 3,5 horas em Santiago. Chegamos ao Rio no dia 23 às 17:40.
Publicado em: 06/07/2023