O Parque Estadual de Terra Ronca fica localizado no extremo nordeste do estado de Goiás, próximo à divisa com a Bahia. Sua área de cerca de 57 mil hectares abrange os municípios de São Domingos e Guarani de Goiás. Foi criado em 1989, com o objetivo de proteger o Cerrado, incluindo espécies endêmicas ameaçadas e, particularmente, as cavidades subterrâneas encontradas dentro de seus limites. O parque abriga um dos mais importantes conjuntos de cavernas da América do Sul, algumas das quais encontram-se abertas para a visitação turística.
Foto: Letícia Vimeney
Apesar da relevância do parque, e dos 35 anos passados desde sua criação, pouco nota-se da gestão no local. Não existe um centro de visitantes, nem uma sede administrativa. Não se vê guarda-parques. Poucos dos proprietários de terras foram indenizados e o acesso aos principais atrativos continuam sendo controlados de forma privada. As placas de monitoramento do risco de incêndio estão abandonadas. Não existem sinalizações indicativas de acesso, ou explicativas, sobre os atrativos. Não fosse a placa com o decreto e o modesto pórtico de entrada, o visitante sequer teria conhecimento de estar dentro de um Parque Estadual.
Não pretendo porém, desaconselhar a visita à Terra Ronca. Pelo contrário. Apesar dessas vulnerabilidades, trata-se de um destino fantástico. Em agosto de 2024, realizei a Travessia das Sete Quedas, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, e aproveitamos a oportunidade para esticar a viagem até Terra Ronca. Tivemos uma experiência incrível. Não só pelas visitas às suas fascinantes cavernas, mas pela completa imersão no Cerrado, possibilitando a apreciação da sua flora e fauna, rios e cachoeiras. O local é bem isolado e pouco povoado. É uma ótima oportunidade para apreciar as estrelas, atravessar áreas remotas por estradas de terra e conhecer pessoas simples com histórias interessantes.
Atrativos
Indiscutivelmente o grande diferencial de Terra Ronca são as suas cavernas. Todas possuem peculiaridades que fazem as visitas a cada uma valer a pena. Não é à toa que, perguntando às pessoas sobre qual sua caverna favorita, as respostas são bastante variadas. Particularmente, se eu fosse obrigado a escolher uma única caverna para um roteiro, dentre as 4 que nós visitamos, escolheria a São Mateus. Ela reúne um conjunto de experiências interessantes: Muitos espeleotemas para apreciação, caminhada dentro da água e, graças a sua topografia mais irregular, oferece um toque de aventura um pouco mais forte do que as demais. Essa escolha deixaria de fora, por exemplo, a Terra Ronca, que possui uma entrada linda, e é o ícone do local. Então já começo a ter dúvidas de qual seria minha escolha, e reforço como é difícil fazer uma única opção.
Além das cavernas, existem opções de mirantes, rios e cachoeiras. Todos eles são interessantes para serem conjugados com as visitas às cavernas, tornando a visita ao local mais rica e divertida. Porém, acredito que nenhum desses atrativos adicionais merecem um dia exclusivo para eles. Quem busca belas cachoeiras certamente terá inúmeras outras opções de destino melhores do que Terra Ronca. Recomendo montar o roteiro com foco total na visitação às cavernas, que são o grande diferencial da região, e caso sobre algum tempo disponível, aí sim, um desses atrativos secundários podem ser usados apenas para preencher o espaço.
Duração
Foto: Letícia Vimeney
É possível fazer a visitação à Terra Ronca de forma satisfatória em diferentes quantidades de dias, a depender do grau de interesse do visitante em cavernas, e do condicionamento físico do grupo. Existem empresas que vendem a visita até mesmo em um único dia, partindo de Brasília. É uma opção que eu não escolheria pois grande parte do tempo seria gasto na estrada, e possibilitaria um proveito mínimo do que o local tem a oferecer. Para um experiência bem tranquila, recomendo reservar um dia por caverna. Para quem busca um passeio mais dinâmico, e está bem preparado fisicamente, é possível combinar mais de uma caverna no mesmo dia. Uma alternativa comum é fazer Terra Ronca I e II em sequência, mas outras combinações seriam também factíveis.
Nosso roteiro teve 4 dias inteiros em Terra Ronca. Nossa rotina era basicamente sair para os passeios próximo das 9:00, visitar uma das cavernas, com bastante tranquilidade, e geralmente emendar alguma outra atividade na sequência (como as cachoeiras ou mirantes). Ainda chegávamos no início/meio da tarde de volta na pousada. A exceção foi quando fizemos Terra Ronca I, Terra Ronca II, mirante e Cachoeira da Palmeira no mesmo dia, e acabamos finalizando mais tarde do que o normal, às 17:20. Esse tempo ainda incluiu uma passada para bater papo com o Sr. Ramiro. Se pudesse mudar algo no roteiro que fizemos, eu certamente juntaria a visita da Caverna Angélica com a visita da São Bernardo, para ter um passeio mais dinâmico e aproveitar o dia restante de alguma outra forma.
Acesso
A viagem a partir de Brasília leva entre 6 e 7 horas, percorrendo cerca de 400 Km, sendo os 50 Km finais em estrada de terra. Saindo de Brasília, o visitante deve tomar a BR-030 em direção à Planaltina e Formosa. Depois, deve seguir para o norte, através da BR-020. Após Simolândia, deve tomar a GO-108. Essa já é a estrada que atravessa o Parque Estadual de Terra Ronca. Através da GO-108, passará por Posse e Guarani de Goiás. Desse ponto em diante, termina o asfalto. O visitante passará pelo pórtico sul do Parque Estadual, passará pela entrada da Caverna Terra Ronca I e alcançará o povoado de São João Evangelista.
Um ponto de atenção é que, apesar de bem mais curta, essa não é a rota preferencial do Google Maps. Após Simolândia, o Google dá preferência por tomar a GO-112 e GO-110, contornando o parque pelo oeste. Nessa rota, a estrada passará por Iaciara, Água Quente e Estiva, para só então tomar a GO-108, entrando pela portaria norte do Parque Estadual. Possivelmente, ele faz essa opção para minimizar o trecho em estrada de terra. Porém, encontramos a parte sul da GO-108 em boas condições de circulação, valendo a pena utilizá-la. No caso de dúvidas, uma sugestão é entrar em contato com seu guia ou hospedagem para confirmar as condições da estrada antes de partir.
Uma observação sobre nossa viagem é que acessamos Terra Ronca a partir da Chapada dos Veadeiros. Então, nossa rota na ida foi diferente do que descrevi acima, utilizando, na verdade, a GO-239: a Estrada do Sertão. Nosso retorno, entretanto, foi feito exatamente pelo trajeto que sugeri. As visitas às cavernas são feitas sempre através da GO-108 e outras estradas de terra secundárias. Um veículo alto é recomendável, mas todas as estradas estavam em boas condições de circulação, com exceção do acesso à Caverna São Mateus. Nessa última, veículos baixos precisariam parar antes do acesso à caverna e percorrer parte da estrada à pé.
Hospedagem
A melhor base para as visitas às cavernas é o minúsculo povoado de São João Evangelista, localizado no coração de Terra Ronca. Durante nossas pesquisas, encontramos as seguintes alternativas de acomodações: Pousada Terra Ronca, Pousada São Mateus, Pousada Portal da Terra, Pousada Ebenézer e Pousada Alto da Lapa. De forma geral, as pousadas são bem simples e possuem preços bem similares. A exceção é Alto da Lapa, cujas instalações se destacam quando avistadas da estrada, e parecem ser bem mais sofisticadas. As refeições podem ser acrescidas ao valor da hospedagem, ou contratas à parte, diretamente com alguma cozinheira do povoado.
Para as visitas no auge da estação seca, recomendo aos que sofrem mais com o calor a considerar alguma alternativa de hospedagem com ar condicionado. A depender da posição do quarto, pode ficar impossível permanecer dentro dele durante o dia e, à noite, apesar da temperatura cair bastante, a acomodação pode continuar quente por várias horas após o pôr do sol. Existem também as opções de acampamento, dentre elas, o camping do Ramiro.
Clima
Em nossa visita (no meio de agosto) encontramos o clima muito quente e seco. No meio da tarde, pegamos temperaturas em torno dos 35°C. Ao anoitecer, a temperatura começava a descer razoavelmente. Acordávamos com temperaturas em torno de 23°C. O tempo quente tornou mais desconfortáveis as trilhas de acesso às cavernas. Embora bem curtas, elas são bem expostas ao sol. O interior das cavernas é mais quente do que eu esperava, especialmente naquelas com teto baixo. Mas o calor lá dentro não chegou a comprometer a experiência da visitação.
Apesar de qualquer incômodo trazido pela estação seca, ela é sem dúvida a mais segura para as visitas. As cavernas de Terra Ronca ainda possuem rios correndo em seu interior. Na época de chuvas a visitação pode ser extremamente arriscada, ou até impossível. Talvez, antecipando a visita para o mês de julho, já seria possível reduzir o calor e ainda fazer a incursão nas cavidades com segurança. Outra vantagem do mês de julho é pegar ainda a temporada do "raio de sol" através da claraboia da Caverna São Bernardo.
Condutores
A visitação de todas as cavernas do parque é realizada obrigatoriamente na companhia de um guia. Além de zelarem pela segurança dos visitantes, os guias conduzem o passeio de forma que seja minimizado o impacto nas frágeis formações presentes no interior das cavernas. Os guias podem também passar informações interessantes sobre o processo de formação das estruturas observadas, e conhecem a localização precisa das formações de maior destaque, além dos melhores pontos para fotografias. É comum os guias levarem consigo lanternas de led potentes e com cores variadas. Essa iluminação extra faz toda a diferença na apreciação da beleza do local. O Salão dos Espelhos na Caverna Angélica, e o Salão dos 700 na Caverna São Mateus, são apenas dois exemplos de pontos onde a iluminação fez total diferença na experiência.
Foto: Juliano Scarpelin
Existem diversos guias locais que fazem a condução de visitantes nas cavernas mais populares do parque. Deixo aqui registrado o contato dos dois que nos atenderam: Marcione (62 96616728) e Elizeu (Biló - 62 96441030). Ambos foram muito simpáticos, atenciosos e conheciam muito bem a região. Para a visitação da Caverna São Vicente, as opções de guias são mais escassas, certamente devido à necessidade de domínio de técnicas verticais. Os únicos que nos ofereceram o serviço foram o Marcelo Peregrino (62 99556331) e a Paula Rocha (61 96112030). É recomendável entrar em contato com os guias com antecedência para verificar a sua disponibilidade no dia desejado para a visitação.
Equipamentos
Os equipamentos essenciais para a visitação das cavernas são o capacete e a lanterna de cabeça. Esses itens são fornecidos pelos guias locais aos visitantes, sem custo adicional. As lanternas de cabeça emprestadas não são muito potentes, mas são suficientes para garantir a movimentação individual com um mínimo de segurança. Já a lanterna dos guias é bem mais potente, o que além de ajudar na movimentação do grupo, é fundamental para a apreciação das formações, em especial nos túneis e salões amplos. Recomendo levar uma lanterna de mão extra. Além de complementar a iluminação fornecida pela lanterna de cabeça, ela será útil para manter os insetos longe do rosto nas áreas alagadas.
Ao menos para as 4 cavernas que visitamos, não é necessária nenhuma vestimenta especial, como neoprene, por exemplo. Isso porque as visitações são relativamente curtas, assim como os trechos dentro água. Os trechos com água raramente passam da altura da cintura e as temperaturas do ar e da água na região são elevadas. É importante porém, utilizar calçados com boa aderência e bem fixos aos pés, para não serem levados pela correnteza. Em excursões passadas eu tive boas experiências com minha bota de caminhada dentro dos cânions. Repeti a receita em Terra Ronca. Apesar de ficarem mais pesadas depois de encharcadas, continuam garantindo ótima aderência. Com o calor da região, secavam por completo de um dia para o outro. Camisas de manga comprida podem ser úteis para evitar os mosquitos, e as cores claras são preferenciais para ajudar na identificação do grupo e garantir melhores fotos.
Para maior tranquilidade nos passeios, acho recomendável o uso de mochila estanque. Uma mochila estanque de 20 litros é um tamanho bem interessante. Uma alternativa é o uso de uma mochila tradicional, que possa ser molhada, com um saco estanque onde os itens mais frágeis possam ser mantidos. O trecho de água mais profundo que pegamos foi na Terra Ronca II, quando a água chegou na altura do peito. Para as pessoas mais altas, é possível levantar as mochilas para evitar que se molhem. Olhando por esse lado, poderia dizer que sacos e mochilas estanque são desnecessários. Porém, há sempre o risco de alguém tropeçar e acabar molhando o equipamento.
Uma preocupação especial é com o celular. Existem oportunidades de fotos a todo momento, então não faz sentido mantê-lo sempre dentro do saco estanque. Por outro lado, existem trechos na água que seria arriscado ficar segurando o telefone na mão. É interessante poder contar com algum artifício para manter as mãos livres e o telefone acima da linha da cintura. Camisas com bolso no peito são uma boa opção. Uma pochete cruzada no peito pode ser uma alternativa. Um cordelete para fixar o telefone no pescoço ou no pulso também pode ser bem-vindo.
Relato
13/08) Chapada → Simão Correia → Terra Ronca
Nos dias 11 e 12 de agosto realizamos a Travessia das Sete Quedas na Chapada dos Veadeiros. Na manhã do dia 13, deixamos Alto Paraíso de Goiás em direção à Terra Ronca. Tomamos a GO-239, conhecida como Estrada do Sertão, passando primeiro na Cachoeira Simão Correia, que aproveitamos para visitar. Finalizamos a visita à cachoeira às 15:00 e retornamos para a Estrada do Sertão, continuando na direção de Nova Roma. A viagem seguiu cruzando áreas totalmente rurais, bastante isoladas. Enormes propriedades, invariavelmente com campos sofridos pela seca, e gado muito enfraquecido. Estávamos agora na GO-114 e, em dado momento, tomamos um atalho para não passar por Nova Roma, o que teria aumentado muito a distância a ser percorrida (esse atalho não é indicado pelo Google Maps). Atravessamos uma estrada onde avistamos diversas "barrigudas", árvores da mesma família dos baobás, e enfim alcançamos o asfalto na GO-112, num trecho final para chegarmos em Iaciara. Eram 17:00.
Reabastecemos naquela cidade pois sabíamos que dali pra frente seria difícil encontrarmos outra oportunidade. Em Iaciara, provavelmente o caminho mais rápido teria sido seguir até Posse, Guarani de Goiás e entrar em Terra Ronca pelo sul, através da GO-108, estrada principal que atravessa o Parque Estadual de Terra Ronca. Mas tínhamos poucas informações sobre essa rota, e com o cair da noite, preferimos fazer o caminho indicado pelo Google, que parecia mais confiável. Contornamos o Parque Estadual de Terra Ronca pelo oeste, passando por Água Quente e Estiva, e entramos na GO-108 pelo norte, para então descer para a entrada do Parque. Acompanhamos um belo pôr do sol na estrada e chegamos até o pórtico de acesso ao Parque Estadual às 19:00. Dali, foram mais 45 minutos descendo a GO-108 até a vila de São João Evangelista, no coração de Terra Ronca.
Chegamos na Pousada Ebenézer, onde fomos recebidos pelo simpático casal Domingas e Gustavo. Domingas é merendeira da escolinha do povoado, e Sr. Gustavo conduzia visitantes nas cavernas da região. Em certo momento começaram a servir refeições à viajantes na propriedade, e hoje, mantêm a acolhedora pousada, que já se expandiu para terrenos vizinhos ao lote original. Ficamos em quartos muito limpos e organizados, e nos alimentamos todos os dias da comida farta e saborosa preparada pela Domingas. O casal no atendeu muito bem durante nossa estadia, e nos prestigiou com bom papo e histórias só conhecidas dos antigos habitantes do local. Na cerca em frente aos nossos quartos, uma coruja nos observava enquanto nos instalávamos. Jantamos e fomos descansar, animados para começar a explorar a região na manhã seguinte.
14/08) Caverna Angélica, Mirantes e Prainha
Foto: Letícia Vimeney
Acordamos às 7:00. Um vento forte soprava em São João. Ainda assim, a temperatura se mantinha elevada, 26°C. Enquanto atravessamos o quintal em direção ao refeitório, fomos interrompidos pelo som de araras cruzando o céu. Passando bem em cima de nós, avistamos um lindo casal de araras vermelhas! Eu nunca tinha visto essa espécie em liberdade, e estava com grande expectativa de encontrá-las próximo às entradas das cavernas. Foi uma bela surpresa avistá-las logo cedo. Tomamos um ótimo café da manhã preparado pela Domingas, e às 9:10 estávamos seguindo para a Caverna Angélica com nosso guia Marcione. Tomamos a estrada principal em direção à São Domingos (norte), retornando parte do percurso que havíamos feito na noite anterior. Às 9:50 chegamos ao ponto de início da visitação. Pagamos R$ 30,00 por pessoa para entrada.
Dentre as 4 cavernas que visitamos, a Angélica é a que possui o acesso mais fácil, e a visitação mais rápida. Tirando o tempo de estrada, fizemos a visita em 2 horas e meia. Existe um rio correndo por dentro dela, mas para fazer a visitação, não é necessário atravessá-lo. Foi a única caverna em que não foi necessário entrar na água em nenhum momento. Possui uma grande variedade de espeleotemas. Seu maior diferencial é o teto bem baixo, possibilitando a visualização das formações bem de perto. O teto baixo também contribui para que ela fique mais abafada, e exigiu maior cuidado na movimentação, para evitar comprometer os espeleotemas. Os pontos mais interessantes da Angélica são o Salão dos Canudos, Salão das Cortinas e o Salão dos Espelhos. Não diria que a Angélica foi minha caverna favorita, mas o Salão dos Espelhos iluminado foi certamente uma das experiências mais interessantes em Terra Ronca.
Foto: Letícia Vimeney
Depois da caverna, seguimos para o Mirante do Bezerra. Trata-se de uma torre de observação construída em madeira, e utilizada pelos brigadistas para avistar focos de incêndio em alguma área do parque. Apesar de não ser muito alta, a vegetação baixa do Cerrado, aliada ao relevo plano, permitem avistar vários quilômetros de distância. Ao longe, é possível observar o paredão do Espigão Mestre, que demarca a divisa entre Goiás e a Bahia. Depois do mirante, seguimos de volta ao povoado de São João. Pouco antes de chegarmos, fizemos uma parada na prainha do Rio São Vicente. O local é bonito, mas já antropomorfizado, com algumas mesas e bancos, além de churrasqueiras que estavam em fase final de construção pelos brigadistas.
Em torno das 14:15 estávamos de volta à pousada. Almoçamos, descansamos um pouco e, ao final da tarde, caminhamos até um segundo mirante, a cerca de 500 metros do povoado. Trata-se de uma torre muito similar àquele que visitamos mais cedo, tanto na sua estrutura, quanto na vista oferecida. Ficamos por ali alguns minutos, observando a movimentação dos pássaros que se abrigavam para o pernoite na estrutura do telhado da torre. Apesar das nuvens que se acumulavam ao oeste, conseguimos aproveitar um bonito pôr do sol ali do alto. Deixamos a torre e demos uma volta à pé pelo povoado, já no escuro, antes de retornamos à pousada para o jantar.
15/08) Cavernas Terra Ronca I & II e Cachoeira da Palmeira
Saímos para o passeio um pouco mais cedo, às 8:30. Tomamos a estrada principal, desta vez, em direção ao sul. As condições gerais da estrada nessa direção também eram boas, porém, existem diversos trechos com areia fofa, exigindo certo cuidado por parte do motorista, para que o carro não acabe atolado. A entrada da Terra Ronca I chama atenção, bem à margem da rodovia. Chegamos lá às 8:55. Para a entrada, é cobrado o mesmo valor da Angélica: R$ 30,00 por pessoa.
Foto: Letícia Vimeney
A Terra Ronca oferece uma experiência totalmente diferente da Angélica. No lugar das câmaras estreitas e abafadas, a Terra Ronca é como um enorme túnel, com teto bem alto e uma imponente entrada com cerca de 80 metros de altura. O teto desse túnel colapsou no passado, dividindo a cavernas em duas seções, a Terra Ronca I e II. O visual da entrada da Terra Ronca I está entre os mais bonitos da viagem. Para deixar a atmosfera ainda mais mágica, haviam diversos casais de araras vermelhas voando e aninhados junto ao paredão de pedra. Faziam uma barulheira, aparentemente competindo por espaço com os papagaios, que também se exibiam em grande quantidade.
Na Terra Ronca I, fizemos apenas duas travessias do rio, uma na entrada, outra na saída. Em ambas, a água não passou do meio da coxa. Logo no início, atravessamos o rio para a sua margem direita, onde gradativamente fomos ganhando elevação, subindo pela encosta cheia de rochas empilhadas. Chegamos relativamente próximo ao teto da caverna, e então começamos a descer de volta até o nível do rio. Algumas cordas estão fixas no local, servindo como corrimão. Atravessamos novamente o rio, e deixamos a Terra Ronca I. O percurso tem cerca de 750 metros de extensão. A altura do teto dificulta observar os detalhes das formações, por outro lado, a experiência de estar dentro de uma estrutura tão grande é muito interessante.
Na saída, caminhamos pela margem do rio, com algumas passagens por dentro d'água, com nível abaixo dos joelhos. Às 10:25 fizemos uma breve parada para lanche na margem, e depois tomamos uma trilha pela mata, para alcançar a entrada da Terra Ronca II. Entre as árvores, avistamos a tiriba-do-paranã, ave endêmica da região, e ameaçada de extinção. Infelizmente, estavam distantes e não pudemos observá-las em muitos detalhes. Pouco depois, avistamos ainda um grande gavião de cores branca e preta. Alcançamos o rio novamente e entramos na Terra Ronca II. Próximo à entrada presenciamos uma revoada de andorinhões, que estavam escondidos no escuro da caverna. Mais à frente, nos deparamos com pequeno bando de morcegos aglomerados no teto. A caverna possui 3 Km de extensão, dos quais percorremos apenas o primeiro terço, alcançando o belo Salão dos Namorados.
Após a visita ao Salão, retornamos pelo mesmo caminho até a boca da caverna. Ida e volta, foram realizadas 12 travessias do rio. A segunda (e penúltima) foram as mais profundas, com água na altura do peito. Nas demais, a água ficou na altura da cintura. Próximo a saída, encontramos com outro grupo de cerca de 5 turistas, que iniciavam a visita. Foi a única ocasião em que nos deparamos com outros visitantes dentro das cavernas. Retornamos pela trilha na mata, em direção a entrada da Terra Ronca I. Tomamos uma bifurcação para chegar ao topo da caverna, bem sobre a sua entrada. De lá, tivemos uma belo visual da região. E ainda conseguimos observar uma arara vermelha relativamente próxima numa árvore. Iniciamos a descida e avistamos os mocós, pequenos roedores endêmicos da caatinga e parte do Cerrado. Parecendo não se preocupar com nossa presença, descansavam à sombra, nas rachaduras do paredão de pedra.
Às 14:50, finalizávamos o circuito. Pegamos a estrada novamente, agora em direção à Cachoeira das Palmeiras. Às 15:25 chegamos ao local. Pagamos R$ 25 por pessoa para entrada. A cachoeira é pequena, mas bonita e com um poço convidativo para banho. No céu, apenas algumas nuvens baixas e um calor de 30°C. Pegamos a estrada de volta para o povoado de São João. Na estrada, fizemos questão de uma parada para conhecer o Sr. Ramiro. Figura lendária, foi o primeiro explorador daquelas cavernas. Entusiasmado com suas descobertas, fez questão de divulgar para o mundo aquelas preciosidades. Espeleólogos se interessaram pela região e se juntaram aos trabalhos que acabaram levando à criação do Parque Estadual de Terra Ronca. Após alguns minutos de papo, retomamos a estrada para o povoado, felizes por termos conhecido não só a caverna que dá nome ao Parque, mas também o homem que teve fundamental importância para que hoje possamos apreciar essas joias da natureza. Em torno das 17:20, estávamos de volta à pousada.
16/08) Caverna São Bernardo III e Cachoeira São Bernardo
Acordamos às 7:20 com céu totalmente limpo, temperatura de 22°C. As botas encharcadas pelas travessias do rio no dia anterior já estavam totalmente secas. O casal de araras vermelhas mais uma vez sobrevoou o terreno, na mesma direção. Certamente seu ritual diário. Tomamos o café e às 8:45 partimos para a Caverna São Bernardo. Tomamos novamente a estrada principal para o sul, passamos a entrada da Terra Ronca, e tomamos uma estrada secundária por mais 1 Km. Chegamos na área de estacionamento em torno das 9:15. A Caverna São Bernardo já foi indenizada após a desapropriação para criação do Parque, então não é cobrada entrada. Fizemos uma caminhada de 300 metros até a dolina que dá acesso à caverna. No caminho, vimos uma pequena cobra cipó correndo pela serrapilheira. No topo da dolina, outros simpáticos mocós acompanhavam nossa movimentação.
Foto: Letícia Vimeney
Assim que finalizamos a descida, realizamos a primeira das 12 travessias do rio que faríamos até retornar ao ponto de partida. Uma das travessias (creio que a primeira) teve água na altura da cintura, enquanto as demais ficou na altura dos joelhos. O visual me remeteu bastante à experiência que tivemos no dia anterior, na Terra Ronca II. Um interessante diferencial foi presenciar o encontro dos rios São Bernardo e Palmeira, dentro da cavidade.
Bem próximo ao encontro dos rios, encontra-se o Salão das Pérolas, muito bonito, onde conhecemos as formações que lhe dão o nome. As pérolas se parecem com pequenos seixos roliços de fundo do rio, mas são formadas na verdade por deposição gradual de calcita sobre algum núcleo (um grão de areia por exemplo), e presença de água em movimento, evitando a criação de uma estalagmite. Um atrativo comumente mencionado nessa caverna é a observação do feixe de luz que atravessa uma das suas claraboias criando uma bonito efeito visual. Mas estávamos tarde demais na temporada para presenciá-lo.
Foto: Letícia Vimeney
Às 11:55 finalizamos a visita ao Salão das Pérolas, e iniciamos o retorno à dolina de acesso. Às 12:40 estávamos de volta ao topo. Tivemos ali um pequeno susto, quando nos vimos a cerca de um metro e meio de uma serpente. Estava apoiada sobre uma pedra, com parte do corpo suspenso no ar, analisando o ambiente ao seu redor. Aparentemente se tratava de outra cobra-cipó, porém bem maior do que a primeira. Estaria ela interessada na abundante população de mocós na entrada da dolina? Ficamos ali observando e fotografando o belo animal por alguns minutos, antes de encararmos o sol quente na trilha de volta para o carro. Seguimos estrada por alguns minutos até a Cachoeira São Bernardo.
A cachoeira fica numa propriedade privada, dentro da APA da Serra Geral de Goiás. Chegamos no local às 13:10 e pagamos R$ 20 por pessoa para entrada. O proprietário construiu uma área de lazer à beira do rio, com conjuntos de churrasqueiras e bancos cobertos, ao lado da respectiva vaga para o carro do visitante. Além das churrasqueiras, estava em operação um bar que oferecia opções de almoço. Uma série de comodidades que costumam atrair visitantes cujo menor interesse é a apreciação das características naturais do local. De fato, um grupo de visitantes mantinha o potente sistema de som da sua pickup em alto volume, apesar das placas de proibição. A cachoeira em si é ligeiramente maior do que a da Palmeira, com um poço igualmente interessante para banho. Com o barulho, não nos prolongamos muito por ali, e regressamos para São João.
No início da noite, tivemos uma decepção maior do que a visita à cachoeira. Havíamos contratado o Marcelo Peregrino como guia para nosso passeio à Caverna São Vicente no dia seguinte. Recebemos sua mensagem nos avisando que não poderia mais nos conduzir por causa de um imprevisto. Ficamos bastante frustrados porque viemos de longe para conhecer o local, e tínhamos grande expectativa para ver as cachoeiras dentro da caverna. Nos vimos na véspera do passeio procurando, por conta própria, alguma forma de contornar o problema. Como o Peregrino é um dos poucos que conduz a visitação à São Vicente, tivemos que trocar o destino para a Caverna São Mateus, e buscar algum outro guia disponível. Não conseguimos resolver o problema ainda naquela noite.
17/08) Caverna São Mateus
Pela manhã, tivemos retorno do guia Elizeu à nossa mensagem. Ele estaria conduzindo um casal à São Mateus e propôs nos juntarmos ao grupo. Aceitamos imediatamente a oferta e, em torno das 9:00, os encontramos em frente à Pousada Portal da Terra. O casal, muito simpático e divertido, nos ofereceu carona no carro deles. Nossa preocupação com a visita à São Mateus eram os relatos de que a estrada estaria em péssimas condições. O carro do casal era uma Toyota JF Cruiser, definitivamente mais indicado para terrenos adversos do que nosso Fiat Pulse. Aceitamos o convite e tomamos a estrada principal novamente para o sul.
Foto: Juliano Scarpelin
Após 8 Km, acessamos uma estrada secundária. Esse trecho de 6,7 Km realmente estava em condições bem piores do que experimentamos em toda a viagem. Com o Pulse provavelmente teríamos conseguido avançar cuidadosamente por boa parte do caminho. Mas nos aproximando do final, existia uma grande pedra exposta no meio da estrada esburacada, que provavelmente teria nos obrigado a parar por ali e seguir a pé o resto do percurso. O Toyota superou o obstáculo sem problemas. Estacionamos e pegamos uma trilha larga em direção à entrada da dolina que dá acesso ao interior da caverna. Alcançamos a dolina às 10:05 após uma caminhada de 1,2 Km.
Foto: Juliano Scarpelin
Nas rochas próximas à entrada, alguns mocós nos observavam tranquilamente. Iniciamos uma descida íngreme em direção à uma cavidade estreita, que bloqueia parcialmente o acesso à caverna. Tentamos não incomodar o enxame de abelhas que rondava o local e, um a um, fomos nos espremendo para vencer o obstáculo. A passagem não é tecnicamente complexa, mas chega a ser apertada o suficiente para que a retirada da mochila das costas seja aconselhável. Algumas cordas fixas (em péssimas condições de manutenção) auxiliam a descida. Uma característica bem marcante na São Mateus é a topografia bem mais acidentada do que as cavernas anteriores, exigindo a subida e descida frequente de rochas durante o percurso, com algumas cordas fixas para auxiliar algumas passagens.
A São Mateus foi uma das cavernas que mais gostamos de visitar. Ela é altamente ornamentada com estalactites, estalagmites e colunas de espessuras e cores variadas. Boa parte da visitação é feita em parte seca e com teto baixo, permitindo a visualização das formações bem de perto. Além dos espeleotemas abundantes nos túneis que atravessamos, visitamos dois salões belíssimos: o Salão dos Pássaros e o Salão 700. Depois da parte seca, caminhamos por dentro do Rio São Mateus para conhecer um fervedouro dentro da caverna. Nessa parte da visita os insetos incomodaram novamente, mas não tanto quanto na São Bernardo. O rio estava bem baixo, com água na altura das canelas. Nesse trecho, avistamos um peixe que, segundo nosso guia, seria raro e pudemos observar uma característica bem peculiar: Ele nadava "de lado", como se estivesse morto.
Às 12:40 estávamos de volta ao topo da dolina, e às 13:00, sob o calor de 35°C, chegávamos de volta ao carro. Almoçamos com os novos amigos na Domingas e, no meio da tarde, retornamos à prainha próxima de São João. Não nos prolongamos na visita porque, assim como na última cachoeira, outros visitantes ocupavam o local com seus sons automotivos egocêntricos. Seguimos para uma cerveja de final de tarde na Pizzaria da Carla, de onde tivemos o privilégio de observar um tucano no alto de uma árvore próxima. Fechamos o dia com um açaí no "centro" de São João e o último jantar da Domingas em nossa pousada.
18/08) Retorno
Após o café da manhã nos despedimos da Domingas e Sr. Gustavo, dos quais nos recordaremos com saudades. Às 8:30 deixamos o povoado de São João em direção à Brasília. Como não precisaríamos passar pela Chapada no retorno, nosso caminho foi diferente. Tomamos mais uma vez a GO-108 na direção sul. Deixamos para trás a Caverna Terra Ronca e o pórtico de entrada do Parque Estadual, alcançando a cidade de Guarani de Goiás às 9:45. Todo esse trecho foi feito em estrada de terra. Apesar disso, as condições da estrada eram muito boas. Cruzamos com algumas máquinas pelo caminho que aparentemente vinham trabalhando na manutenção da rodovia, ou talvez, preparando-a para uma futura pavimentação, sobre a qual ouvimos rumores durante a viagem.
A partir de Guarani encontramos o asfalto. Passamos por Posse às 10:10, onde deixamos a GO-108 e pegamos a BR-020 em direção à Simolândia. Daí pra frente a viagem segue sempre pela BR-020, que acaba mudando de nome para BR-030 e nos conduz até Brasília. Apesar dos inúmeros caminhões, e das imprudências comumente observadas em nossas estradas, fizemos uma viagem tranquila, sem engarrafamentos. Chegamos na capital às 14:35, com pouco mais de 6 horas de percurso, incluindo uma rápida parada para abastecimento.
Tracklog
Faça aqui o download do tracklog contendo os principais ponto de interesse em Terra Ronca, assim como as trilhas estradas de acesso para as cavernas e cachoeiras que visitamos.
Publicado em: 18/09/2024
Última atualização: 19/09/2024