O sul do estado do Utah, EUA, é uma região privilegiada em belezas naturais. Suas paisagens são famosas pelas rochas de coloração avermelhada, com formas exóticas, e pelos seus cânions estreitos e sinuosos. Não é à toa que o estado é o segundo em número de parques nacionais, abrigando cindo dessas unidades de conservação. Dentre os Mighty Five, como são conhecidos, está o Capitol Reef National Park. O parque possui apenas 98 mil hectares (20º em área nos EUA contíguos), e recebeu 1,2 milhões de visitantes em 2022 (22º em número de visitantes). Esses números relativamente modestos, o deixam de fora dos holofotes quando estão no palco parques gigantes e populares como o Grand Canyon, Yellowstone, dentre outros. Mas as estatísticas podem enganar.
Foto: Catia Valdman
O Capitol Reef abriga formações geológicas fascinantes, pontos de interesse arqueológico, paleontológico, flora e fauna diversificada, além de ser um dos parques com o certificado International Dark Sky Park, indicando que ele é excelente para apreciação dos astros. Ficamos encantados com o parque, ainda na estrada, quando apreciávamos as montanhas da região durante a nossa chegada. Depois, realizamos uma caminhada de longo curso com quase 50 Km de extensão, onde tivemos muitas oportunidades de nos admirar com a diversidade de paisagens que atravessamos, bem como, com o isolamento e os desafios que conseguimos experimentar. Isso tudo, sem sequer termos explorado os setores mais remotos do parque. O Capitol Reef nos surpreendeu e, com certeza, é um ótimo destino para ser incluído em um roteiro pelo sul do Utah.
Planejamento
Em 2023 conseguimos obter nosso permit para uma travessia no interior do Grand Canyon, através do concorrido processo de loteria conduzido pelo Parque. O sonho de visitar aquele local icônico finalmente se tornaria realidade. Com essa esperada confirmação, precisávamos detalhar o restante do roteiro da viagem. Nos planos originais, faríamos duas grandes travessias dentro do Grand Canyon. Porém, além de não termos sido sorteados para o segundo permit, percebemos que realizar duas grandes travessias numa mesma visitação teria sido um sacrifício físico com custo / benefício questionável. As rotas mais interessantes do parque envolvem descer e subir as gigantescas paredes do cânion, sob o sol do deserto. Preferimos fazer uma única travessia no Grand Canyon e aproveitar a viagem para conhecer outros parques na região.
A viabilidade de realização de caminhadas de longo curso, como sempre, era um importante critério para a escolha dos outros destinos. Uma das primeiras alternativas considerada foi o Canyonlands National Park. Acabamos não conseguindo vagas para o disputado acampamento base, e partimos para outra alternativa. Encontramos no fórum Backcountry Post um relato sobre um circuito no Capitol Reef que nos deixou bastante interessados. Além disso, verificamos que o parque não exigia reserva antecipada de permits, o que facilitaria bastante a organização da viagem.
O tal circuito ainda demandaria bastante estudo. Haviam várias questões em aberto: A disponibilidade de água no trajeto, desnível a ser vencido, pontos de pernoite e, particularmente, preocupações com os trechos dentro dos cânions estreitos. Sabíamos que teríamos obstáculos a vencer nesses cânions, incluindo cachoeiras e bolsões d'água. Em 19 de junho, garantimos uma das últimas vagas no acampamento base do parque. A estadia de apenas 4 pernoites não era longa, mas se encaixaria bem com o restante do roteiro da viagem. Na ocasião, ainda não tínhamos fechado o planejamento do circuito. Mas diante de todos os atrativos oferecidas pelo parque, estávamos confiantes de que, ainda que desistíssemos do circuito, a visita ao Capitol Reef seria muito interessante.
As pesquisas sobre o circuito continuaram nos próximos meses. Nosso embarque para os EUA aconteceria em 29 de setembro. Em paralelo, pesquisávamos também sobre outros destinos para depois do Capitol Reef. Acabamos chegando a um ótimo roteiro para nossa visita aos EUA, passando por diversos Parques e outras unidades de conservação distribuídas no Nevada, Arizona e Utah. O relato completo dessa viagem está dividido em três artigos. No artigo sobre o Grand Canyon, conto sobre a parte inicial da viagem. Lá incluí um quadro resumo de todo o roteiro. No presente artigo, contarei sobre o deslocamento do Grand Canyon até o Capitol Reef, além da nossa experiência, claro, no próprio Capitol Reef. No terceiro artigo da série, escrevo sobre os últimos dias da viagem, visitando o Bryce Canyon e o Red Rock Canyon.
Aproximação ao Capitol Reef
07/10) Grand Canyon → Valley of the Gods
Acordamos às 6:00 no Mather Campground e começamos nossos preparativos para a despedida do Grand Canyon. Tomamos nosso café da manhã, desmontamos as barracas e carregamos o carro com nossos equipamentos para pegarmos novamente a estrada. Antes de deixar o parque, paramos para conhecer o Visitor Center. Depois, tomamos a Desert View Drive, em direção à portaria leste. Em torno das 10:30 paramos novamente, agora no Desert View Point, para as últimas fotos do cânion. Logo depois, deixamos o parque nacional, entrando no território indígena dos Navajo. A Desert View Drive segue por uma região muito bonita, paralela ao Little Colorado River, tributário do Rio Colorado e formador de um outro cânion profundo, um dos maiores braços do Grand Canyon. Tomamos a rodovia 89 em direção à Cameron, depois a 160, em direção à Tuba City. Nosso primeiro ponto de interesse localizava-se na margem esquerda daquela rodovia, pouco antes de Tuba.
Foto: Patrícia Carvalho
São as Navajo Moenave Dinosaur Tracks. Trata-se de um sítio paleontológico onde encontram-se fósseis de dinossauros, incluindo pegadas e garras. Tão logo encostamos o carro na beira da estrada, um indígena se apresentou para nos guiar no passeio. O circuito é curto e fica bem próximo da estrada. Infelizmente, nosso guia não era muito preparado, ou estava sem paciência, e pouco conseguimos ouvir do que ele falava enquanto andava rapidamente na frente de todo o grupo. De qualquer forma, os fósseis são bem interessantes. Próximo de 13:00 deixamos o local. Após cerca de 1 hora, fizemos uma parada para almoço em algum restaurante próximo a estrada, e seguimos para o principal atrativo do dia: o Monument Valley.
Milhões de anos atrás o local era uma bacia sedimentar, que depois foi erguida e amplamente erodida, esculpindo gigantescos totens rochosos. O visual do local talvez seja um dos mais icônicos dos EUA, se fazendo presente em uma longa lista de filmes, programas de TV e outros tipos de mídias. Sua paisagem ajudou a consagrar o imaginário relacionado aos filmes "de velho oeste". Na altura da cidade de Kayenta, havíamos deixado a rodovia 160 e tomado a 163 para o norte. Antes mesmo de chegar ao vale, já estávamos animadíssimos com o visual de toda aquela região. O Monument Valley fica no Navajo Tribal Park, ainda território indígena. Chegando ao local, pegamos uma rápida fila na portaria de acesso, onde pagamos uma taxa de entrada para dirigir pela Scenic Drive.
Foto: Catia Valdman
A beleza do local é única, totalmente deslumbrante. O calor, infernal. Paramos no primeiro mirante pouco antes das 16:00. Só mesmo aquele cenário impressionante para motivar a saída da sombra e do ar-condicionado do carro. Continuamos o circuito, parando nos mirantes para contemplar e fotografar. Tentamos fazer o melhor possível para registrar em nossos celulares o que, nem pessoalmente, era possível se apreender por completo. Perto do final do circuito, nos encontramos com um casal de amigos do clube de montanhismo, que faziam também uma visita aos EUA e, coincidentemente, passavam pelo Monument Valley naquele dia. Conversamos um pouco, tiramos mais fotos, nos despedimos e finalizamos o circuito parando no Visitor Center.
Já era final da tarde, o vale se enchia de cores e sombras. Lamentamos não poder ficar para ver o pôr do sol dali. De fato, durante os planejamentos, chegamos a considerar a possibilidade de acampar no Monument Valley. Porém, além de muito caro, precisaríamos ter conseguido encaixá-lo no roteiro com mais antecedência, pois àquela altura do planejamento, ele já estava lotado. Tomamos novamente a estrada. Às 17:20, alcançamos o Forrest Gump Point. Trata-se de um ponto da rodovia 163, onde foi filmada uma cena do filme Forrest Gump. No horizonte, observa-se as silhuetas das formações rochosas do Monument Valley, sendo deixadas para trás. Tiramos nossa foto para registrar a passagem pelo local, enquanto dividíamos o acostamento da estrada com um ou outro carro de turistas que paravam para fazer o mesmo.
Nossa próxima parada foi a 20 minutos dali, no Mexican Hat, outra formação rochosa bem curiosa, às margens da 163. Já eram quase 19:00, e o sol já se escondia no horizonte. Aproveitamos as últimas oportunidades de claridade para tentar fazer algumas fotografias da formação. Em seguida, nossos planos seriam visitar o Gooseneck State Park, próximo dali. Nesse pequeno parque estadual, o San Juan River dá origem a um cânion, e faz um interessante meandro que pode ser avistado a partir de um mirante. Porém, com o avançar da hora, tivemos que desistir da visita. Ainda precisávamos chegar no Valley of the Gods, e nos instalar para o pernoite.
Foto: Catia Valdman
O Valley of the Gods foi criado por um processo de formação geológica similar ao Monument Valley, resultando também em uma vasta planície que abriga enormes formações rochosas esparsas. Porém, enquanto o Monument Valley está em território indígena e conta com bastante infraestrutura, o Monument Valley está sob a responsabilidade do Bureau of Land Management, e não tem praticamente nenhuma infraestrutura. O acesso é livre e totalmente gratuito. Existe uma estrada de terra de 27 Km que circunda as principais formações. Às marges dessa estrada, existem recuos espaçosos onde os visitantes costumam estacionar seus trailers para curtir o local.
Já no crepúsculo, deixamos a 163 e entramos na Valley of the Gods Road. O visual era fantástico, não só das formações rochosas do próprio vale, mas também no horizonte distante, onde se avistava, provavelmente, ainda as formações do Monument Valley. Ao mesmo tempo, estávamos apreensivos para identificar um ponto onde pudéssemos estacionar e montar nossas barracas. O local é remoto, por isso, esperávamos não ter dificuldades para achar um bom ponto de parada. Porém, era um sábado, e alta temporada. Percorremos alguns quilômetros da estrada e só encontrávamos acostamentos já ocupados. Não precisávamos muito espaço, mas precisávamos ter um local para encostar o carro fora da estrada e um terreno minimamente livre e nivelado para a montagem das barracas.
A noite caiu e acabamos decidindo adotar a inconveniente estratégia de abordar algum grupo já instalado, e pedir para dividir o espaço conosco. Felizmente, logo na primeira tentativa, encontramos uma família que foi compreensiva e nos permitiu compartilhar o espaço. O recuo era grande o suficiente para o trailer da família, nosso carro e ainda tinha um terreno bem razoável para as nossas três barracas. Estacionamos e, com a ajuda das lanternas, montamos acampamento e preparamos nosso jantar. Às 22:00 faziam 20°C. O céu estava aberto e com muitas estrelas. Apesar de não termos feito trilhas naquele dia, estávamos cansados de tantas horas em atividade na estrada.
08/10) Valley of the Gods → Capitol Reef
Foto: Catia Valdman
Acordamos às 6:00 para acompanhar o nascer do sol e aproveitar o máximo do dia, que também prometia ser bastante cheio. A temperatura havia caído para os 9°C. Desmontamos as barracas e usamos os seus footprints como "toalhas de picnic" para tomar nosso café da manhã, enquanto acompanhávamos as montanhas se iluminando com os primeiros raios do sol. Antes das 8:00 nos despedimos da família que nos recebeu no seu "campsite" e continuamos nosso percurso pela Valley of the Gods Road. Começamos muito bem o dia, dirigindo entre aquelas formações fantásticas no meio do deserto. Comparativamente, achei o Monument Valley bem mais imponente e impactante do que o Valley of the Gods, até porque foi o que visitamos primeiro. Mas ambos são incríveis e valem a pena a visita.
Foto: Gabriel Lousada
Saímos do vale tomando a Highway 261 para o norte, em um ponto conhecido como Moki Dugway. Ali a estrada fica bem estreita e sinuosa, subindo uma encosta que proporciona uma bela visão aérea do Valley of the Gods. Nossa próxima parada foi o Natural Bridges National Monument. Chegamos no monumento às 11:20. O atrativo principal da unidade são as pontes gigantes de pedras, geradas pela erosão causada pela passagem da água em paredes de antigos cânions com meandros. Não tínhamos tempo para explorar a região com mais detalhes, então nos limitamos a conhecer o Visitor Center e realizar, de carro, a visita aos três principais mirantes que permitem a visualização das pontes à distância.
Foto: Patrícia Carvalho
Seguimos viagem. Estávamos agora na UT-95. Mesmo sem nenhum atrativo famoso, nos víamos constantemente admirados com as paisagens, e fotografando pela janela do carro em movimento. Às 13:20 re encontramos um amigo que conhecemos nessa temporada: o Rio Colorado. A rodovia passa sobre o rio através da bonita Hite Crossing Bridge. Ali, o rio ainda terá um longa jornada através de cânions e represas até chegar ao Grand Canyon. Não resistimos a parar e tirar algumas fotos no local. Nos surpreendemos novamente 10 minutos depois, quando a UT-95 ganha elevação e é possível ver do alto a ponte e toda a região no entorno, a partir do Hite Overlook.
Foto: Patrícia Carvalho
Nas próximas 2 horas até o Capitol Reef National Park, seguimos nos encantando com as paisagens na estrada. Após o Hite Overlook, continuamos por 42 quilômetros até Hanksville, onde tomamos a UT-24 para o oeste. A UT-24 é a estrada principal que corta o Capitol Reef. Nos quilômetros finais da viagem, as montanhas no entorno ganhavam cores e formas cada vez mais impressionantes, sinalizando grandes dias por vir naquele parque. Na nossa chegada, fomos direto para o Visitor Center. Iríamos iniciar um circuito de 3 dias na manhã seguinte, e precisávamos obter, além de informações atualizadas, o permit para os pernoites na área não estruturada do parque. No Capitol Reef, até o presente momento, não existe reserva antecipada para os permits.
Foto: Gabriel Lousada
Apresentamos nosso roteiro para o funcionário do parque, tiramos nossas dúvidas, preenchemos alguns dados e obtivemos os permits que precisávamos sem problemas. Estávamos sem banho desde o final da última travessia no Grand Canyon e queríamos também fazer uma boa refeição antes de encarar o deserto mais uma vez. O Capitol Reef não oferece chuveiros ou restaurantes, sendo a opção mais prática, uma visita a minúscula cidade de Torrey, seguindo a UT-24 por mais 17 Km. Tomamos novamente a rodovia, e fomos curtindo o incrível visual das montanhas no entorno. Chegando na simpática cidade, procuramos pelo Chuck Wagon Lodge. Havíamos nos informado que lá encontraríamos chuveiros pagos. De fato encontramos o local, e descobrimos que cobravam mais de 5 vezes o valor do banho no Grand Canyon.
Resolvemos procurar outras alternativas e aproveitar para conhecer um pouco da cidade. Encontramos algumas opções de hospedagens, incluindo campings, todos bem caros. Nenhum oferecia serviço de banho avulso. Sem alternativas, nos rendemos ao monopólio do Chuck Wagon e tomamos um dos banhos mais caros das nossas vidas. Ao menos, a estrutura oferecida era muito boa. Nos dividimos para fazer a refeição em locais diferentes, depois nos reencontramos para fazer compras. Precisávamos comprar alguns galões de água. No segundo pernoite do circuito que iniciaríamos, não haveria água por perto. Mas cruzaríamos a rodovia caminhando. Então, iríamos esconder previamente os galões na margem da rodovia para que, ao passarmos mais tarde por ali, pudéssemos nos reabastecer.
Tomamos a UT-24 de volta para o parque. Alcançamos a Chimney Rock Trailhead, ponto onde iríamos cruzar a rodovia no segundo dia de caminhada. Já no escuro, encontramos um local razoavelmente abrigado para deixar a água, e seguimos viagem para o Fruita Campground, o acampamento da parte estruturada do Capitol Reef. Depois de mais um longo dia na estrada, já estávamos cansados àquela hora. Mas ainda precisávamos preparar nossas cargueiras para iniciar o circuito no dia seguinte. Às 22:00, faziam 17°C no acampamento. Tentamos deixar tudo o mais organizado o possível, e fomos dormir.
Circuito no Capitol Reef
09/10) Fruita Campground → Fremont River (via Cassidy Arch)
Nosso primeiro dia de circuito no Capitol Reef foi o que nos ofereceu a maior variedade de cenários. Iniciamos a caminhada às 8:40, partindo do próprio Fruita Campground. Percorremos 200 metros até a saída do acampamento na Capitol Reef Scenic Drive. Apenas atravessamos a estrada e estávamos na Cohab Canyon Trailhead, a primeira trilha que utilizaríamos naquele dia. Estávamos aos pés de um maciço de cerca de 300 metros de altura. Àquela hora, sua sombra ainda cobria o acampamento e todo o trecho inicial de subida da trilha. Com temperaturas próximas dos 15°C, alguns preferiram iniciar a caminhada ainda com os anoraks. Ganhamos os primeiros 100 metros de altitude numa subida íngreme, de onde podíamos avistar a verdejante região do Fruita Campground contrastando com as montanhas avermelhadas ao seu redor.
Foto: Catia Valdman
Às 8:10 começamos a entrada no Cohab Canyon, e o visual amplo do entorno deu lugar ao confinamento pelas bonitas e curiosas paredes do cânion. Descemos o cânion por meia hora, até a Frying Pan Trail, por onde seguiríamos. Naquele ponto porém, encontra-se uma placa que indicava um suposto mirante do Fremont River. Deixamos as cargueiras ali e, por curiosidade, acabamos descendo uma trilha por 500 metros. Concluímos não valer a pena continuar a exploração e retornamos para as cargueiras. Não sabemos se há algo a mais por ali, mas analisando os mapas, vemos que tratava-se da trilha de acesso ao Cohab Canyon, a partir da estrada principal do parque, a UT-24. Tomamos a Frying Pan Trail, que subiu até os 1800 metros de altitude, desceu 70 metros até um escoamento seco e depois tornou a subir até 1960 metros, ponto mais alto de todo o nosso circuito. Chegamos lá em cima às 11:40. Tivemos uma linda vista 360° da região.
Foto: Catia Valdman
Na Frying Pan Trail o visual havia se tornado bem amplo, com vegetação basicamente arbustiva, pequenas árvores esparsas e muitas montanhas de cores e formatos exóticos visíveis no horizonte. Às 12:30, alcançamos a bifurcação para acesso ao Cassidy Arch. Faziam 28°C, e o céu estava totalmente aberto. O sol tostando as rochas expostas, sem praticamente nenhuma sombra, explicava o nome da trilha. A curiosidade era grande, e por outro lado o calor nos intimidava a esticar o percurso até o arco. A região era bem bonita e o arco tinha grande potencial de ser interessante. A trilha estava bem movimentada, praticamente apenas com visitantes que fazem o bate-e-volta ao arco e outros atrativos daquela área. Localizamos uma das poucas sombras disponíveis no local, e decidimos largar as cargueiras ali, seguindo mais leves pela trilha de desvio até a curiosa formação.
Foto: Catia Valdman
Em 10 minutos estávamos contemplando o belo arco de frente. Andando mais 60 metros ainda foi possível ficar sobre ele. Achei o Cassidy Arch mais bonito do que aqueles que visitamos no National Bridges NM. Talvez pela sua coloração e composição com o cenário no entorno. Valeu a pena esticar a caminhada. Até porque, o visual do arco a partir da continuação da trilha não foi tão interessante quanto daquele ponto. Retornamos às cargueiras e demos continuidade à caminhada, agora pela Cassidy Arch Trail. A trilha desceu por 140 metros, até alcançar o fundo do cânion Grand Wash. As paredes são altas e bem verticais. Aproveitamos para descansar um pouco na sombra de uma das suas paredes antes de prosseguir. Às 14:30, demos continuidade, tomando a belíssima Grand Wash Trail, que percorre o fundo do cânion, lentamente perdendo elevação, até alcançar o Fremont River e a UT-24.
Chegamos na UT-24 às 15:15. Nesse ponto, nosso grupo, infelizmente, iria se dividir. Alguns ainda se recuperavam das bolhas e lesões no joelho decorrentes da Escalante Route no Grand Canyon. Por isso, faziam a caminhada de hoje apenas com as mochilas de ataque, e pegariam carona na estrada para retornar ao Fruita Campground. Os demais seguiriam no circuito de 3 dias. Para finalizar o primeiro dia do circuito, entretanto, ainda restavam algumas etapas. Nos despedimos dos amigos que foram em busca de carona, e seguimos viagem, agora caminhando às margens da UT-24. Precisávamos cruzar o Fremont River para seguir o roteiro, mas o ponto de travessia ficava a um quilômetro dali.
Com pouco mais de 15 minutos de caminhada, alcançamos um recuo para estacionamento na lateral direita da pista. Apesar de não existir nenhuma das habituais placas com indicação de trailhead, parecia o local mais provável para encontrarmos o ponto de travessia do rio. Cruzamos um curto trecho de mata ciliar e nos deparamos com um barranco de cerca de 2 metros de altura e, lá em baixo, o Fremont River correndo num leito estreito, porém profundo, e com forte correnteza. Do outro lado da margem, nenhuma indicação clara de que a trilha seguiria por ali. Retornamos para a estrada. Segundo o GPS, ao alcançar o recuo para estacionamento, já tínhamos passado do ponto indicado. Retornamos um pouco e agora avançávamos por um trecho maior de mata fechada. Novamente alcançamos um ponto nada promissor para vencer o rio. O GPS provavelmente indicava um caminho desatualizado. Continuamos retornando pela margem através da vegetação fechada, bem diferente do perfil das trilhas que havíamos usado no restante do dia.
Foto: Catia Valdman
Cerca de 150 metros a jusante, achamos um ponto mais interessante. O rio ainda parecia fundo e forte, mas seria um trecho curto de travessia, com margens bem mais acessíveis. Descemos o barranco, fizemos um teste de travessia sem a cargueira e confirmamos a viabilidade da passagem, com água na altura dos joelhos. Com a ajuda dos bastões, e atenção ao equilíbrio, vencemos a travessia sem incidentes. Pretendíamos dormir naquelas imediações naquela noite. Porém, nossa próxima obrigação era localizar a continuação da trilha, que também não era óbvia ali. Seguimos algumas pegadas, atravessamos mais um trecho curto de vegetação bem fechada e identificamos a boca do Lower Spring Canyon. Era por ali que deveríamos seguir no dia seguinte. Já sabíamos onde obter água, e por onde nossa trilha seguiria. Precisávamos agora encontrar um bom local para o pernoite.
Seguimos por 300 metros pela margem de um escoamento seco no fundo do cânion. Sem localizar nenhum ponto bom, acabamos descendo para dentro do leito seco, onde localizamos um areal que parecia bem aceitável. Elegemo-lo como ponto de pernoite. Nossa última obrigação era obter a água para aquela noite e o dia seguinte. Para realizar a tarefa, retornamos ao ponto de travessia do Fremont River. Ao contrário do que encontramos no Grand Canyon, a água ali era bem barrenta. Precisaríamos usar todo o equipamento que não usamos com o Rio Colorado. Até porque, estávamos a jusante da cidade de Torrey.
Foto: Catia Valdman
Nosso grupo estava com três pessoas. Teoricamente, com um filtro portátil cada uma. Sacamos o primeiro filtro da cargueira para descobrir que estava totalmente entupido. Não passava um mililitro de água, mesmo após a manobra de retro lavagem. O segundo filtro foi deixado no Fruita Campground. Restava o terceiro. Tivemos então a infeliz surpresa de perceber que, ao pressionarmos a bolsa de compressão para forçar a água a passar pelo filtro, 90% da água vazava pela rosca entre a bolsa e o filtro.
Insistimos nesse processo por alguns minutos, até nos convencermos que seria inviável continuar dessa forma. Tivemos a ideia de tentar melhorar a conexão utilizando esparadrapo como "fita veda rosca". Respiramos aliviados quando vimos o fluxo de água filtrada melhorando substancialmente para dentro da garrafa. Com apenas um filtro remendado, ainda gastaríamos 50 minutos nessa missão até garantir água suficiente para todo o grupo. Precisávamos de água para a noite e para o dia seguinte, já que não teríamos outra fonte de água confiável.
Era próximo das 18:00 quando deixamos a margem do Fremont River rumo à nossa área de acampamento. Enchemos também nosso balde retrátil com quase 5 litros extras. Essa água poderia ser usada para ser fervida e permaneceria decantando, para ser filtrada com mais facilidade pela manhã. Às 18:35 faziam 15°C. Às 20:40, a temperatura caiu para 9°C. Dormi apreensivo com nosso segundo dia de circuito. Percorreríamos toda a Lower Spring Canyon Trail, mais a Chimney Rock Trail. Precisaríamos vencer a Narrows Bypass, trecho descrito pelo Parque como "extremamente estreito e com seções íngremes e soltas, incluindo uma seção de 30 metros com exposição extrema". Além disso, sabia que estaríamos confinados pelas paredes do Lower Spring Canyon durante a maior parte do dia. Algumas nuvens encobriam as estrelas, e durante a noite, ouvimos o som do vento balançando as árvores no entorno. A última coisa que queríamos ali dentro seria encarar alguma chuva.
10/10) Fremont River → Chimney Rock Trailhead (Lower Spring Canyon Trail)
Acordamos às 6:00. A água que deixamos decantando no balde já havia clareado significativamente. Filtramos um pouco mais para completar as últimas garrafas d'água. Deixamos a área de acampamento às 8:15 com temperatura de 8°C. Para nossa alegria, o céu parecia aberto, ao menos, na parte que conseguíamos observar de dentro do corredor do cânion. Diferentemente do final do dia anterior, quando precisamos decifrar como cruzar o rio e atravessar vegetação fechada, agora a navegação era muito simples, já que estávamos sempre confinados entre as paredes do cânion. Estávamos empolgados com a caminhada, que desde o início do dia nos presenteava com visuais incríveis. Apesar de nos mantermos sempre caminhando no fundo do Lower Spring Canyon, o visual variava em diversos aspectos. Largura do cânion, altura, cores, texturas, formatos, etc.
Com menos de uma hora de caminhada, começamos a notar a presença de um filete de água no fundo do cânion. Sua presença foi aumentando gradativamente até encontrarmos o que seria a potencial nascente sobre a qual havíamos lido a respeito. Em nenhum momento chegou a formar um córrego significativo, ou um poço volumoso, mas fosse necessário acampar por ali, teria sido possível utilizá-la para o abastecimento. Como preferimos não contar com essa água, não paramos nem para reabastecer. Já trazíamos conosco quantidade suficiente para o restante do dia. Ali dentro estávamos caminhando quase sempre protegidos do sol pelas paredes do cânion, e ganhávamos elevação de forma muito gradual. A temperatura ao longo do dia ficou na casa dos 25°C. A caminhada estava fluindo num ritmo muito bom, com pouco desgaste e belos visuais. Volta e meia notávamos padrões interessantíssimos nas rochas ao redor, um local incrível para amantes da geologia.
Foto: Catia Valdman
Às 12:30, alcançávamos a Narrows Bypass. Na chegada, fica nítido que o trecho estreito do cânion está bem à frente, e a trilha de contorno é facilmente identificada à direita. A trilha ganha elevação na encosta lateral do cânion e depois avança horizontalmente, paralela ao fundo do cânion. A trilha é de fato super estreita, com cascalho fino, e se encontra numa encosta bastante íngreme, com alguns pontos de exposição realmente expressiva. Lembrou nossa passagem recente pela Dox Traverse, na Escalante Route do Grand Canyon. Os bastões de caminhada foram super importantes para garantir o equilíbrio, em especial com as cargueiras. Apesar da exposição tornar a passagem arriscada, com atenção as pisadas, é possível vencer o trecho sem maiores problemas.
Durante o contorno, é possível avistar lá de cima o trecho estreito do cânion. As paredes realmente constringem violentamente o corredor do cânion, formando um belo "slot canyon". Ficamos muito curiosos para fazer o trecho por baixo, dentro do slot canyon. A trilha de contorno que utilizamos foi sempre mencionada nas pesquisas que fizemos, mas não conseguimos muitas informações sobre as reais dificuldades envolvendo a passagem pelo slot canyon. De fato, ao chegar no vértice do slot canyon, notamos que seria necessária uma pequena escalada para emergir a partir do fundo. Porém, a escalada de pouco mais de 2 metros de altura parecia simples. Por curiosidade, ao final da trilha de contorno, até descemos e subimos o lance para verificar a viabilidade da passagem. Conseguimos sem dificuldades. Inclusive, achamos muito mais seguro do que a caminhada exposta que havíamos acabado de realizar. Não sabemos se no restante do trecho existiriam outras passagens piores, mas se houvesse uma próxima oportunidade, certamente tentaríamos o caminho pelo fundo do cânion.
Às 15:15, alcançamos a bifurcação com a Chimney Rock Loop Trail. Fizemos opção pelo segmento norte do loop, mais curto. Após passar boa parte do dia confinados no Lower Spring Canyon, foi muito interessante a sensação quando nos deparamos com as paisagens amplas da Chimney Rock Trail. A trilha ganhava elevação de forma mais acentuada do que vínhamos fazendo no cânion, mas os panoramas nos davam energia extra para continuar o percurso. As cores e luzes estavam fantásticas. Foi muito legal ver a UT-24 do alto, com as lindas montanhas avermelhadas que a cercam. Chegamos ao ponto de maior altitude do dia (1920 metros) às 15:45. Dali até a Chimney Rock Trail, tínhamos mais 1 Km de descida. Durante nossa caminhada dentro do cânion, havíamos encontrado apenas um senhor americano, com quem inclusive conversamos durante algum tempo enquanto caminhávamos. O trecho da Chimney Rock é bem mais movimentado, quase na totalidade por visitantes de bate-e-volta.
Pouco depois das 16:00 estávamos na trailhead. Recuperamos os galões de água que havíamos estocado ali dois dias atrás e caminhamos para a margem da UT-24. Do outro lado da rodovia existe uma trilha de conexão entre a Chimney Rock Trailhead e a Sulphur Creek Trail, que iríamos seguir no dia seguinte. O plano para aquela noite era acampar em algum ponto dessa trilha de conexão, ou na própria Sulphur Creek Trail. Assim que chegamos na margem da rodovia, numa gigantesca coincidência, os amigos que não continuaram a travessia conosco passavam de carro. Eles tinham ido à Torrey, e estavam retornando para o parque. Na cidade, compraram uma tortinha de morango que iriam camuflar na trailhead para que nós a encontrássemos junto com os galões de água. Acontece que naquele dia era o meu aniversário, e a torta seria um simpática surpresa, e um complemento muito bem-vindo para a "hora do parabéns" no acampamento. Ficamos felizes de revê-los, e eu muito contente com o carinho deles. Nos despedimos e combinamos de nos encontrar no dia seguinte às 7:30 na trailhead. Eles fariam o último dia de caminhada conosco.
Nos revezamos por 400 metros no transporte dos galões de água pela trilha de conexão, e por um trecho da Sulphur Creek Trail, até alcançarmos um terreno sobrelevado ao lado esquerdo da trilha, que parecia ótimo para o pernoite. Finalizamos a caminhada às 16:45, com mais de 19 Km percorridos. Às 18:05, faziam 21°C, haviam poucas nuvens no céu, e eventualmente ocorriam algumas rajadas moderadas de vento. Após o jantar, cantamos parabéns e dividimos a tortinha de morango. Era a segunda vez que comemorava meu aniversário cruzando os cânions do Utah. A primeira tinha sido na The Narrows, no Zion, em 2016. Estava feliz por ter finalizado com sucesso aquele dia de caminhada. Estar naquele lugar incrível com os amigos era um enorme presente. Contemplei as estrelas por alguns minutos, antes de entrar para a barraca. O céu estava lindo, como em todas as noites que vínhamos tendo naquela viagem. Para quem gosta de apreciar as estrelas, viajar para o hemisfério oposto é sempre uma oportunidade interessante de observar constelações novas, ou em posicionamentos diferentes do que estamos acostumados.
11/10) Chimney Rock Trailhead → Fruita Campground (Sulphur Creek Trail)
Foto: Catia Valdman
No nosso último dia de circuito, percorreríamos a Sulphur Creek Trail, chegando até o centro de visitantes do parque. Depois, completaríamos a caminhada por uma trilha margeando a UT-24 até o Fruita Campground. A Sulphur Creek Trail é executada caminhando no leito do Sulphur Creek, córrego confinado dentro de um cânion estreito. Porém, diferente dos demais cânions e drenagens (secas) que percorremos até aquele momento, no Sulphur Creek estaríamos andando dentro da água. Essa trilha foi um dos pontos de atenção durante os planejamentos, pois além da preocupação com o nível do rio, sabíamos que precisaríamos lidar com três quedas d'água ao longo do trajeto. Inicialmente, faríamos isso tudo ainda levando as cargueiras nas costas. Porém, com o desenrolar dos acontecimentos, conseguimos uma pequena ajuda. Naquela manhã nossos amigos viriam de carro nos encontrar na Chimney Rock Trailhead. Com isso, poderíamos trocar as cargueiras por mochilas de ataque, e finalizar esse trecho mais leves, e sem maiores preocupações em molhar o equipamento acidentalmente.
Foto: Catia Valdman
De qualquer forma, as nuvens e o vento que observamos na noite anterior não nos deixavam baixar a guarda. Precisávamos completar o trecho dentro do cânion sem pegar chuva. Acordamos ainda no escuro, às 5:00, para completar as atividades matinais e ainda caminhar de volta à Chimney Rock Trailhead antes das 7:30. Faziam 5°C. Deixamos a área de acampamento e começamos a caminhada de volta à Chimney Rock Trailhead. Pior do que a temperatura baixa em si, era a brisa constante que parecia congelar os ossos. Nos abrigamos próximos à estrutura do banheiro da trailhead para aguardar o resto do grupo. Observávamos o sol gradualmente iluminando o horizonte, e colorindo de vermelho as montanhas no entorno. A lua minguante se erguia graciosamente atrás da Chimney Rock. O carro chegou, cuidadosamente separamos os equipamentos necessários e transferimos para as mochilas de ataque. Às 7:50, começávamos nosso último trecho do circuito, novamente com todo o grupo reunido.
Foto: Catia Valdman
Retomamos a trilha de ligação que havíamos usado na tarde anterior e entramos na Sulphur Creek Trail. Passamos novamente pelo ponto onde pernoitamos e seguimos a drenagem até alcançar o leito do Sulphur Creek. Depois de caminhar por tantas drenagens e leitos secos na viagem, minha primeira impressão do Sulphur Creek foi que ele era mais caudaloso do que eu imaginava. Começamos a seguir às margens do córrego, à jusante. Àquela hora o sol ainda estava baixo, e as montanhas no entorno sombreavam toda a área do cânion. Assim, garantiam que alguns anoraks permaneceriam vestidos por bastante tempo. Não demorou muito até começarem as primeiras travessias de uma margem para outra. A profundidade não passaria do meio das canelas, mas a água fria fluía rapidamente. Para postergar o encharcamento das botas por completo, era necessário se utilizar das pedras maiores, geralmente mal posicionadas. Com o tempo frio, tentamos seguir nesse processo por algum tempo, mas não demoraria até que a entrada na água fosse inevitável. Pouco a pouco, o grupo foi mudando a estratégia, e simplesmente caminhando livremente pela água.
Às 9:00, chegamos à primeira queda d'água. Assim como o fluxo do córrego, a queda também me pareceu um pouco maior do que eu imaginava. Cuidadosamente seguimos por sua lateral direita. Passagem estreita, mas com a boa aderência da rocha e a ajuda dos bastões, não tivemos problemas. Depois fizemos uma desescalada simples para superar por completo o obstáculo. Estávamos agora no trecho mais estreito do cânion e a sensação de confinamento, com toda aquela água fluindo entre as paredes criava um ambiente encantador. Ao longo da travessia, lembramos muitas vezes das caminhadas no Zion, e aquele trecho em particular trazia um grande clima de nostalgia.
Vencida a primeira cachoeira, entrávamos num trecho curioso do cânion. Nas primeiras leituras sobre o trajeto, encontramos diversas referências às cachoeiras, mas nenhuma advertência sobre a necessidade de atravessar (potencialmente nadando) nenhum poço profundo. Conforme continuamos os estudos, o grau de preocupação subiu quando nos deparamos com a informação de que, em 2019, uma cheia repentina havia criado um poço que poderia chegar a quase 2 metros de profundidade. De fato, assisti a um vídeo onde um casal atravessava o tal poço com água no peito. Curiosamente, nesse mesmo vídeo, o fluxo de água estava significativamente menor do que na nossa visita.
Foto: Catia Valdman
Quando nos apresentamos no centro de visitantes para obter o nosso permit, fomos informados que, recentemente, as últimas chuvas haviam agora assoreado o Sulphur Creek, e não nos depararíamos com nenhum poço profundo. Interessante notar o quão dinâmico é aquele ambiente. De fato, seguíamos agora por um trecho bem estreito do cânion, caminhávamos dentro d'água, mas dificilmente o nível subia muito além das canelas.
Às 9:15 atingimos a segunda cachoeira. Mais alta do que a primeira, novamente tivemos que utilizar a margem direita para negociar nossa passagem. Dessa vez, demoramos um pouco mais para entender a melhor forma de vencer o obstáculo, que exigiu duas desescaladas curtas, porém ligeiramente mais elaboradas do que na primeira vez. Uma boa dica é estar atento a um buraco estreito à direita onde é possível se enfiar para descer o trecho final até a base. A passagem é discreta inicialmente, mas assim que é descoberta, fica claro que é o acesso mais seguro.
Seguimos pelo grande corredor do cânion, que agora começava a se alargar novamente, pouco a pouco, permitindo mais iluminação do sol. Caminhávamos agora por um trecho mais fácil, curtindo as cores e formatos das grandes paredes do cânion. Às 11:00, a temperatura já havia subido para 23°C, algumas nuvens esparsas ainda permaneciam no céu. Às 11:40, nos deparamos com a terceira e última cachoeira. Para vencê-la, lemos sobre 4 opções possíveis. A primeira, simplesmente escorregar pelo fluxo d'água, deixando-se levar para dentro do poço. A segunda, atravessar o córrego bem próximo da queda d'água para a margem esquerda, se deslocar horizontalmente por um ranhura na rocha até ser possível descer para o poço.
Foto: Catia Valdman
Com o fluxo intenso que encontramos no córrego, nenhuma dessas duas opções parecia muito segura. A terceira, seria uma desescalada pela margem direita, que, de onde eu estava, não consegui identificar. Mas creio que tenha sido essa a rota que uma das nossas amigas arriscou, com o suporte de um casal desconhecido, que já estava na base da cachoeira. A quarta opção, que usei com o restante do grupo, foi subir uma série de platôs à direita, 20 metros antes da queda d'água, que levam a uma trilha que contorna o poço pela encosta mais acima. Esse contorno aumenta um pouco o percurso, pois acaba subindo cerca de 40 metros encosta acima, antes de voltar para o leito do rio.
Vencida a terceira cachoeira, foi apenas mais 1 Km até o Centro de Visitantes. Nesse trecho final, passamos por um forno utilizado pelos antigos moradores da região para produzir cal. Chegamos no Centro de Visitantes às 12:35. Ali, o grupo precisou se dividir novamente por conta da missão de recuperação do carro. Uma parte foi atrás de carona para retornar à Chimney Rock Trailhead. A outra parte seguiu caminhando para o Fruita Campground. Foram mais 3,2 Km até o acampamento. O percurso é feito numa trilha paralela à estrada. Não fosse o sol forte, seria uma caminhada bastante agradável para observação das imponentes montanhas no entorno da UT-24. Chegamos de volta ao Fruita às 13:35, totalizando 12,3 Km de caminhada naquele dia.
A missão de resgate do carro tinha dado certo. Quando chegamos ao Fruita, nosso amigos já estavam de volta com o carro. Deixamos as botas encharcadas secando no acampamento, e pegamos novamente a UT-24 rumando para Torrey. Na estrada, avistamos nuvens escuras e uma cortina cinza de chuva no horizonte, alguns quilômetros dali, à montante do Sulphur Creek. Era a primeira vez que avistávamos essas condições nessa viagem. Um mudança brusca do tempo estava se anunciando. Tínhamos finalizado nossa travessia por dentro dos cânions bem a tempo.
Chegando na cidade, tomamos um merecido banho, novamente no Chuck Wagon General Store. Aproveitamos a lavanderia do local para garantir algumas roupas limpas. O almoço foi mais uma vez no Slacker's Pizza & Deli, duas quadras depois do Chuck Wagon. Durante esse processo, vimos a mudança do tempo chegando à cidade. A temperatura caiu, o vento gelado incomodava na rua, e a chuva chegou a cair por alguns minutos. Já na perspectiva de mais frio para os próximos dias, antes de voltarmos para o parque, passamos ainda em alguns lojas na cidade para comprar alguns itens de frio complementares.
Retornamos ao Fruita (sem chuva) e encontramos uma das barracas, que já havia ficado montada, invadida pela areia trazida pela ventania. Movemos essa barraca para longe do banco de areia próximo e montamos as demais reforçando os espeques para estarmos preparados para madrugada. Às 19:50, faziam 15°C, e corria um vento gelado. Assim como na última noite no Grand Canyon, nosso último jantar no Capitol Reef foi um jantar coletivo que organizamos no próprio acampamento. Após a refeição, ganhei mais um "parabéns" acompanhado por mais uma torta, agora, na companhia do grupo completo! Às 21:40, a temperatura havia caído para 5°C, e o vento gelado persistia. Dormimos na expectativa de como seria o restante da madrugada.
Na manhã seguinte, pegaríamos a estrada novamente em direção ao Bryce Canyon National Park. Se iniciaria a etapa mais fria da nossa viagem, com direito a neve caindo na nossa despedida do Capitol Reef. Mas essa parte da história contarei no terceiro e último relato sobre nossa viagem. Ficamos muito satisfeitos por termos incluído o Capitol Reef no nosso roteiro. O parque nos surpreendeu positivamente. Creio que conseguimos conhecer parte significativa dos seus principais atrativos. Todavia, com mais tempo disponível, certamente teríamos ainda muito coisa interessante para fazer por lá. Havendo a oportunidade de uma outra visita à região, certamente valeria a pena dar continuidade à exploração do parque.
Resumo dos dados do circuito
Na tabela abaixo encontram-se as estatísticas sobre o circuito que realizamos no Capitol Reef. Os números foram obtidos do tracklog que gravamos durante a caminhada. É importante ter em mente que os três dias de circuito envolveram, em diferentes proporções, caminhadas dentro de cânions. Esse tipo de topografia acaba impactando negativamente na acurácia dos dados gravados. Além do GPS, utilizamos na navegação as cartas topográficas do USGS, formatadas para impressão através do site Caltopo. Também disponibilizo para download, o mapa rodoviário que utilizamos no trecho entre o Grand Canyon e o Capitol Reef, gerado com ajuda do Google Maps.
Data | Detalhe | Distância | Tempo | Alt.(min - max) | G.E.A | P.E.A |
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09/10 | Fruita Campground x Fremont River | 17,05 Km | 8:09 | 1578 m - 1958 m | 605 m | 694 m |
10/10 | Fremont River x Chimney Rock Trailhead | 19,20 Km | 8:33 | 1639 m - 1921 m | 398 m | 433 m |
11/10 | Chimney Rock Trailhead x Fruita Campground | 12,29 Km | 5:43 | 1637 m - 1837 m | 140 m | 325 m |
TOTAL | 48,54 Km | 22:25 | 1578 m - 1958 m | 1143 m | 1452 m |
Publicado em: 15/12/2023
Última atualização: 12/02/2023