Impressões
Apesar de termos comprado passagens ida e volta para Las Vegas, nossa jornada para o Zion se inicia cruzando 900 Km de estrada, da Califórnia para o Utah. Isso porque, apesar do Zion ser o foco de 2016, havíamos decidido aproveitar a visita aos EUA para também conhecer algum outro parque. Pela proximidade, a escolha natural seria o Grand Canyon. Porém, conseguir permits para as travessias do Grand Canyon não é nada fácil. Chegamos a tentar, mas não fomos agraciados dessa vez. Terminamos optando pelos parques Sequoia e Kings Canyon. Acontece que ambos ficam na Sierra Nevada, Califórnia.
Foto: Alexandre Ciancio
Optamos por comprar nossas passagens de avião por Las Vegas pois essa rota, como de costume, apresentou os melhores preços. Para melhor ajuste da janela climática, decidimos que a visita aos parques da Sierra Nevada seria realizada antes do Zion. Então, desembarcamos em Las Vegas e dirigimos cerca de 14 horas até a Sierra Nevada, Califórnia. Realizamos um circuito de 4 dias de caminhada no Kings Canyon e um dia de visitação no Sequoia (falo sobre essas visitas em outro relato). Depois, tomamos a estrada de volta para o Utah. No retorno, ainda tomamos o caminho errado e rumamos para o Death Valley, até alcançar o minúsculo povoado de Shoshone, onde percebemos nosso erro e corrigimos a rota para o Zion.
Foto: Alexandre Ciancio
Já era noite na estrada quando, por algum motivo, resolvemos dar uma olhada em nossa reserva para o acampamento no Zion. Percebemos então que ela tinha sido feita, equivocadamente, começando um dia antes da nossa chegada! Nossas últimas horas de viagem foram tensas, sem saber se teríamos lugar para passar nossa primeira noite, ou pior! Se teriam cancelado nossa reserva por completo. Chegamos no parque já no meio da noite, depois de cerca de 16 horas de estrada. Para nossa alegria, nosso campsite ainda estava reservado. Na portaria do parque, fechada àquela hora, um papel com meu sobrenome estava fixado no vidro, com as boas vindas e orientações para nos instalarmos. Respiramos aliviados e partimos para a montagem das nossas barracas. Apesar das altas temperaturas durante o dia, fazia bastante frio naquela noite. Algumas pessoas estavam de toucas e luvas. Era uma pequena amostra da dualidade climática que enfrentaríamos nos próximos dias. Fomos descansar para, na manhã seguinte, já encarar nossa primeira trilha.
Angel's Landing
Foto: Alexandre Ciancio
A Angel's Landing é uma das mais famosas day hikes do parque, não só pelo visual incrível que ela proporciona, mas também pela adrenalina prometida pelas passagens expostas à beira de desfiladeiros. A trilha começa no The Grotto, um dos pontos mais movimentados do parque, e após ganhar pouco mais de 400 metros de altitude, alcança o topo de um pináculo rochoso na beirada do Zion Canyon. O visual lá de cima é de tirar o fôlego, e nos deixou entusiasmados com nosso primeiro contato com o parque. A subida começa por um caminho bastante estruturado. Certamente precisou ser cuidadosamente manejado pelo Parque para suportar o grande número de visitantes, não só da Angel's Landing, como da West Rim Trail que também passa por ali. A medida que avança, o caminho então vai ganhando cara de uma trilha de fato, se tornando mais rústico e perigoso. As passagens mais críticas são protegidas por grossas correntes de metal que servem de corrimão. As passagens não são nem um pouco difíceis tecnicamente, mas certamente serão desconfortáveis para quem tem medo de altura. Ficamos muito satisfeitos com nossa estreia e recomendamos muito essa trilha para quem tem poucos dias para conhecer o Zion.
Zion Traverse
Devidamente apresentados ao Zion, no dia seguinte estávamos prontos para encarar nossa primeira travessia. Deixamos o acampamento Watchman ainda no escuro, e dirigimos até a East Rim Trailhead. Nosso carro ficaria estacionado lá pelos próximos 5 dias, aguardando nossa retorno da Zion Traverse. O local estava deserto, e uma escuridão profunda dominava o ambiente. No dia anterior havíamos enfrentando bastante calor durante a trilha, mas agora a temperatura era de pouco graus acima de zero. Ficamos trancados dentro do carro, inseguros se estávamos no local correto, esperando a chegada do shuttle. Felizmente, não demorou muito até que encostasse a van. Partimos às 5:50 em direção à Springdale, onde fizemos uma escala para pegar outros montanhistas, e seguimos viagem. Fomos deixados pouco antes das 10 da manhã na Lee Pass Trailhead, um local ermo na extremidade noroeste do parque, ponto de início da nossa caminhada. Fizemos um rápido café da manhã com alguns alimentos que havíamos trazido e, ainda vestindo casacos e luvas, começamos a travessia.
Depois de ter a visão completa dessa viagem, diria que nosso primeiro dia de Zion Traverse talvez tenha sido o menos interessante do roteiro. Mas naquele momento estávamos curtindo bastante a caminhada, ainda nos acostumando com as cores diferentes das rochas e os contrastes das folhagens outonais. Ficamos surpresos com o quão próximos os primeiros pontos de acampamento estavam localizados do início da trilha e ficamos aliviados por termos conseguido reservar um pernoite um pouco mais avançado. Ainda assim, terminamos a caminhada bem cedo, às 12:50. Com tempo de sobra, aproveitamos para fazer uma visita ao Kolob Arch, localizado a menos de 2 Km do nosso acampamento. O Kolob Arch é o sexto maior arco natural suspenso no mundo. Sim! Tem gente que estuda e classifica essas coisas! Não achamos a visita muito interessante, até porque o angulo de visão proporcionado pela trilha não é muito favorável. Ficamos surpresos ao descobrir que há quem faça toda a trilha só para conhecer o tal arco. Retornamos ao acampamento, às margens do La Verkin Creek, para preparar nosso jantar e descansar para o dia seguinte.
Nosso primeiro dia de travessia não seria nada representativo dos desafios que ainda teríamos pela frente. A mordomia de acampar próximo a um bom curso d'água não se repetiria. O percurso, que fora de apenas 11 Km até então, se transformaria numa empreitada de mais de 20 Km por dia, pelo menos nos próximos três dias. De igual maneira, se acentuariam os desníveis a serem vencidos diariamente. Tudo isso apimentado pela insegurança a respeito da disponibilidade de água, que nos obrigava a transportar sempre uma reserva extra. Nosso segundo dia de caminhada teve mais de 21 Km de extensão. Chegamos ao Wildcat Canyon onde montamos acampamento e fomos em busca da fonte de água da área. Localizada a pouco mais de 1 Km dali, a fonte se encontra num buraco estreito numa parede, onde era necessário se esticar e tentar manter posicionada uma garrafa pequena para coletar a água de uma goteira que pingava sem pressa. Levamos 1 hora para encher nossos reservatórios. Foi a água dessa fonte que nos serviu não só naquela noite, mas pelo próximo dia inteiro e metade do dia seguinte.
No terceiro dia, deixamos o Wildcat Canyon e seguimos para o campiste 6 na West Rim. Um trecho com 16 km de extensão, repleto de paisagens extra terrenas, simplesmente deslumbrantes. Lembro de ter chegado muito cansado ao acampamento no final desse dia. Me deitei em um tronco de árvore caído e fiquei ali reunindo forças para preparar o jantar. A paisagem ao nosso redor era incrível e o pôr do sol foi sensacional. Felizmente uma refeição reforçada, seguida de uma boa noite de sono, conseguiram me recuperar para o nosso quarto dia de caminhada. Talvez este tenha sido o mais extravagante de todos. Partimos do topo da West Rim em direção ao chão do Zion Canyon. Descemos em torno de 1000 metros, incluindo parte da trilha da Angel's Landing por onde havíamos passado alguns dias atrás. Lá em baixo, encontramos o grande público circulando pelo The Grotto. Finalmente, recarregamos nossas garrafas d'água. Caminhamos por 2 Km de estrada para então começar a subida da borda oposta do cânion, recuperando boa parte dos 1000 metros de altitude que havíamos acabado de descer. Foram mais de 24 Km de percurso até chegarmos no nosso último ponto de pernoite.
Chegamos na East Rim Camp Area já com sensação de missão cumprida e muito felizes pelas paisagens incríveis que havíamos contemplado ao longo do dia. Tanto a descida da West Rim, quanto a subida da East Rim, foram belíssimas. Montamos acampamento e saímos em busca da Stave Spring, a fonte de água que talvez pudesse nos ajudar naquela noite. Conseguimos encontrar o cano rente ao solo, por onde, para completar nossa alegria, escorria um filete d'água. Nosso quinto e último dia de caminhada nos exigiria vencer apenas 10 Km. Apesar dos visuais fantásticos que já havíamos experimentado até ali, esse relativamente curto dia de caminhada ainda conseguiu nos oferecer belas paisagens. Existem diversas formas de percorrer as trilhas que compõem a Zion Traverse. Optamos por executá-la da forma mais completa o possível, atravessando o parque de ponta a ponta. Essa realização nos foi extremamente gratificante. Tanto pelas paisagens únicas que vivenciamos, quanto pela grande satisfação pessoal de termos vencido esse desafio. Certamente, a viagem ao Zion foi uma das viagens mais interessante que eu já fiz. E a execução da Zion Traverse foi uma experiência extremamente enriquecedora.
The Narrows
Logo após nosso retorno da Zion Traverse, tínhamos 4 preocupação na cabeça: tomar um bom banho, fazer uma boa refeição, retirar nossos permits para a próxima travessia e alugar equipamento extra para ela. Nossa segunda travessia foi a The Narrows: Dois dias de caminhada integralmente executada dentro do leito do Virgin River, em boa parte confinado dentro de um slot canyon. Na Zion Adventures, em Springdale, alugamos calças impermeáveis, botas de canyoneering, meias de neoprene e bastões de caminhada de madeira. Inicialmente, tivemos algumas dúvidas sobre a real necessidade de cada um desses itens, mas ao final do percurso concluímos que todos valeram a pena.
A calça impermeável é feita de uma borracha bastante impermeável, garantindo que não fique saturada com o longo tempo de submersão. Além disso, ao final de cada perna, possui uma espécie de membrana interna de borracha super elástica que se adere ao tornozelo, vedando a entrada da água para dentro da calça. A cintura alta, ajuda a evitar que a água entre pela parte superior. A meias de neoprene não impedem por completo a entrada da água nos pés, mas criam uma camada de água aquecida que garante um bom conforto térmico. Vale lembrar que as águas na área são muito frias e, dentro dos cânions, a baixa insolação completa um cenário perfeito para hipotermia. As botas de borracha ofereceram ótima aderência para caminhar nas pedras molhadas. Elas não impedem a entrada da água, ao contrário, possuem um sistema de circulação que facilita o fluxo de água por dentro do calçado, impedindo que fiquem ensopados. Os bastões são de madeira, assim, flutuam na água. Graças as suas extremidades largas, podem ser utilizados para vasculhar o fundo do rio e suportar o peso do corpo sem ficar encravado em meio ao cascalho, coisa que costuma acontecer com os bastões de caminhada tradicionais. Como o nível do rio não estava dos mais altos, optamos por utilizar nos próprias mochilas cargueiras e apenas proteger os itens sensíveis dentro de sacos estanques.
Foto: Alexandre Ciancio
Mais uma vez deixamos o Watchman campground ainda no escuro, e partimos para a porta da Zion Adventures, onde deixamos nosso carro estacionado, e embarcamos no shuttle para o Chamberlain's Ranch, ponto de partida da travessia. No primeiro dia, o rio começa a ser seguido em campo aberto, com visual bem distinto das fotos clássicas dessa travessia. Ainda assim, as paisagens são incríveis. Ficamos particularmente encantados com a show de cores que a vegetação às margens do rio estava nos proporcionando. Conforme avançamos, o cenário vai se transformando e, ainda no primeiro dia, o rio vai sendo constringido pelas paredes cada vez mais altas do cânion. Pernoitamos no campsite 9, um pequeno banco de areia situado na margem esquerda do rio, já bastante confinado dentro do cânion. Em grande parte do dia seguinte, nosso campo de visão permaneceu ocupado pelas grandes paredes rochosas do cânion, formando um imenso corredor cuja única fonte de luz eram os raios solares que passavam pela fissura superior. Nos momentos finais, próximo ao Temple of Sinawava as paredes começam gradativamente a se afastar e começamos a encontrar com os visitantes (day hikers) que tem acesso somente à extremidade final do percurso.
Apesar dos altos riscos potenciais envolvidos, a The Narrows é uma travessia tecnicamente bem mais simples de ser executada do que a Zion Traverse. Sua duração relativamente curta, pode ser muito útil para o roteiro de quem tem menos tempo disponível no parque. Nos sentimos muito privilegiados por termos conseguido os permits necessários para executá-la integralmente. Conhecemos um lugar de beleza indescritível, que ficará pra sempre nas nossas memórias. Finalizada a travessia, tomamos o ônibus interno do parque para nos levar o mais próximo possível de Springdale, onde recuperamos o carro e já aproveitamos para providenciar o aluguel do equipamento para a travessia do dia seguinte: The Subway.
The Subway
Após a experiência bem sucedida com os equipamentos na The Narrows, resolvemos não arriscar e ir bem preparados para The Subway. Ao contrário da caminhada anterior, nesta última travessia sabíamos que encontraríamos trechos onde o mergulho nas águas geladas do cânion seria obrigatório. Repetimos a opção pela bota de canyoneering e a meia de neoprene, mas trocamos a calça impermeável pelo traje de neoprene completo. Fora isso, levávamos o equipamento de escalada que trouxemos do Brasil especialmente para esse dia: corda de 20 metros, baudrier, cordeletes e freios para os rapéis, além de mosquetões e fitas adicionais para quaisquer improvisações que fossem necessárias.
Nosso último dia de atividade no parque começou cedo mais uma vez. Às 6:30 encontramos com o van da Zion Adventures em Springdale, que nos escoltou na estrada até a Left Fork trailhead, ponto de término de nossa travessia. Lá, estacionamos o carro e embarcamos na van, que nos transportou até a Wildcat Canyon trailhead, ponto de início da travessia. O percurso começa por uma trilha bem demarcada, que logo se encontra com um trecho da Zion Traverse. Percorremos 200 metros de trilha já conhecida e então tomamos uma bifurcação à direita. Daí para frente a trilha começa a desaparecer e se inicia um trecho de navegação mais complicada. Inclusive, essa era uma das nossas preocupações com essa travessia. Sabíamos que o percurso exigiria cuidado de navegação. Grande parte do trajeto ocorre sobre rocha, antes e depois da entrada na fissura do cânion, então não existe marcação de trilha no solo e o GPS não ajudaria muito dentro do slot canyon.
Felizmente antes da boca do cânion, apesar de não haver trilha, encontramos totens bem posicionados. A entrada no cânion se dá por uma descida bem acentuada. Não usamos a corda, mas foi necessário descer com cautela. Lá embaixo, nos valemos das descrições que achamos nos relatos e da direção de navegação esperada segundo o mapa para encontrar o primeiro grande boulder que exigiu descida por corda. Dali para frente, nos mantivemos super atentos ao percurso e fomos seguindo as referências que tínhamos nos relatos. Os pontos de controle são fáceis de serem identificados visualmente, o que nos deu bastante conforto na navegação. Em pouco tempo já estávamos mais confiantes lá dentro, curtindo bastante a experiência. Os trechos técnicos não devem ser negligenciados, todo o equipamento que levamos foi utilizado. É um local onde ninguém gostaria de se envolver em nenhum acidente. As roupas de neoprene foram muito bem vindas, nos mantendo em temperatura confortável dentro e fora da água.
O trecho anterior a entrada do cânion é lindíssimo. Existem passagens sobre rocha com texturas fantásticas que iluminadas com o sol da manhã estavam fazendo nos sentirmos caminhando na superfície de outro planeta. Dentro do cânion o ambiente surreal emociona em diversos momentos. Às vezes não só pela beleza! Tivemos um pequeno susto quando um dos integrantes acabou escorregando para dentro de um poço de areia movediça. O pior é que ele mesmo havia identificado o perigo, alertou o grupo e segundos depois desaparecia parcialmente no solo diante dos nossos olhos. Felizmente ele conseguiu sair com facilidade e, passado o susto, conseguimos dar algumas risadas. Fiquei surpreso ao descobrir que no início do ano passado, um casal acabou precisando acionar o serviço de resgate para conseguir se livrar de outro incidente com areia movediça, também enquanto realizavam a The Subway.
A passagem mais icônica da travessia surge ao final do slot canyon, um túnel natural que leva o visitante para uma floresta bem verde e úmida, contrastando com a atmosfera monocromática do slot canyon. Finalizada a passagem pelo slot canyon, não estão concluídos os desafios nem os visuais incríveis. Ainda percorremos quase 6 Km de trilha até chegarmos de volta ao carro, incluindo aí um bom trecho às margens do Left Fork of North Creek e uma subida de 100 metros de aclive até borda superior do cânion. Lá em cima, ganhamos de presente uma bela vista das montanhas do entorno, fechando com chave de ouro nossa inesquecível visita ao Zion National Park.
Las Vegas
Finalizada nossa última travessia, pernoitamos mais uma vez no Watchman Campground e no dia seguinte retornamos para Las Vegas. Como parte do grupo ainda não conhecia a cidade, decidimos permanecer alguns dias por lá antes de retornar ao Brasil. Foi interessante conhecer a famosa Strip, os hotéis cassino com decorações extravagantes e todas as suas luzes. Para mim, no entanto, a parte mais interessante foi a visita à Hoover Dam. Recomendo muito a visitação completa, tanto da parte externa da barragem quanto da parte interna da usina. Além do interesse histórico e científico, o lugar é muito bonito. Para os que precisam renovar seus equipamentos de montanhismo, Las Vegas conta com duas filiais da REI e os Las Vegas Premium Outlet South e North. Fizemos boas compras de vestuário na Columbia do Outlet North. Ficou faltando a visita ao Red Rock Canyon National Conservation Area, que parece ser um belo parque com boas oportunidades de escalada em rocha.
Publicado em: 26/03/2020