Planejamento
Foto: Alexandre Ciancio
Em junho de 2015, realizei minha primeira visita a um Parque Nacional norte americano. Conheci o Yosemite e voltei para casa absolutamente encantado com as suas belezas naturais, e com o trabalho de excelência desenvolvido pelo NPS, o Serviço de Parques Norte Americanos. Ao deixar aquele parque, eu já estava pensando em qual seria o próximo a ser visitado. Pesquisando na Web, é fácil achar várias boas alternativas. Mas não tive dúvidas que a próxima viagem seria para o Zion National Park. As imagens belíssimas e o bioma bem diferente do que havíamos conhecido no Yosemite, faziam desse parque no deserto do Utah uma excelente escolha.
Cerca de um ano antes da data da viagem, começaram os primeiros estudos sobre o Zion. Nessa fase, foram de especial utilidade o site oficial do parque e o Joe's Guide To Zion National Park. Este último, foi particularmente importante para o planejamento da nossa maior travessia, a Zion Traverse. Além dos sites, as cartas topográficas da National Geographic são sempre muito úteis, tanto antes, quanto durante a excursão. Usamos também o livro Zion: Canyoneering para o planejamento da travessia The Subway. Estávamos particularmente ansiosos para essa última travessia por se tratar de um roteiro de canyoneering, com emprego de equipamento técnico. Apesar do grupo possuir experiência de escalada em rocha, estaríamos em um ambiente novo para todos.
Escolhendo as datas
Uma das primeiras decisões que precisou ser tomada foi com relação ao período da visitação. No verão, as temperaturas são extremamente altas durante o dia, as tempestades podem causar cheias repentinas dentro dos cânions e alguns dos poucos pontos de captação de água para as longas travessias secam. No inverno, as temperaturas são muito baixas durante a noite, ocorre bastante chuva, o acúmulo de neve pode levar a dificuldades para atravessar trilhas na parte mais alta do parque e as águas extremamente frias dificultam os percursos que exigem caminhar ou nadar dentro dos rios. Dependendo das atividades a serem realizadas dentro do parque, um ou outro desses fatores de risco podem ser mais ou menos relevantes. Como nosso roteiro envolveria uma grande diversidade de atividades, preferimos escolher um período que minimizasse esses riscos. Segundo nossas análises, seriam os meses de abril ou outubro. Ficamos com a segunda opção, que nos daria uma janela de tempo maior para a organização da excursão.
Roteiro e equipamentos
Foto: Alexandre Ciancio
Com 7 meses de antecedência, já sabíamos quais os percursos que gostaríamos de realizar dentro do parque. Estavam na nossa lista as principais atrações do local: a trilha de um dia Angel's Landing, a travessia de dois dias The Narrows, a travessia de um dia The Subway, e a travessia de cinco dias Zion Traverse. Com exceção da Angel's Landing, todos os roteiros dependiam de obtenção de permits junto ao Parque. Para a The Subway, o permit é obtido através de sorteio. É necessário se inscrever com meses de antecedência e aguardar a divulgação do resultado. Para a Narrows e a Zion Traverse, os permits são obtidos, também com meses de antecedência, diretamente através do site de reservas. Seja via sorteio, seja via site, a obtenção desses permits não é nada fácil. A concorrência é enorme e em questão de segundos todas as vagas são preenchidas.
As travessias The Narrows e The Subway nos exigiriam planejamento especial. Ambas são roteiros executados dentro de slot canyons, como são chamados os cânions extremamente estreitos e com paredes bastante altas. Na The Narrows, os dois dias de percurso são realizados exclusivamente caminhando dentro de braço norte do Virgin River. Na The Subway, travessia de um dia, percorreríamos o cânion realizando alguns rapéis e nadando por dentro de poços e cursos d'água. Caminhar e nadar dentro de água gelada, com baixa insolação, aumenta bastante o risco de hipotermia. Por isso, dependendo das temperaturas do ar e da água, é recomendável o uso de calçados especiais e roupas de neoprene. Decidimos avaliar as temperaturas quando estivéssemos no parque, e decidir às vésperas das caminhadas se faríamos o aluguel do neoprene e das botas. Na cidade de Springdale, vizinha do parque, é possível alugar esses equipamentos. Utilizaríamos a loja Zion Adventures para isso. Quanto ao equipamento de escalada/rapel para a Subway, decidimos levar o nosso próprio. Levamos as ferragens, baudriers e uma corda de 20 metros que foi suficiente para os lances de descida. Para ambos roteiros, levamos nossos sacos estanques para proteger os equipamentos, especialmente nos trechos com nado obrigatório.
Acampamento base
Foto: Clóvis Fitarelli
Para otimizar nosso tempo dentro do parque, emendaríamos uma travessia após a outra. Nas noites entre travessias, dormiríamos no acampamento Watchman, na parte estruturada do parque. Porém, o acampamento Watchman também exige reserva antecipada. Como estaríamos em um mês de bastante procura pelo parque, conseguir uma boa vaga, mesmo na parte estruturada, não seria trivial. Com 6 meses de antecedência o Parque abriu a janela de reservas para esse acampamento. Em tese, só precisaríamos pernoitar algumas poucas noites lá. Porém, nesse momento ainda não sabíamos se conseguiríamos obter os permits necessários para a execução das travessias conforme o planejado. Então, decidimos reservar o Watchman para todo o período da nossa estadia. Tivemos sucesso nas nossas reservas e demos mais um passo em direção à concretização da viagem. Uma dica para essa etapa é pesquisar antecipadamente os campsites mais interessantes no site de reservas. O site oferece bastante detalhes sobre cada um dos campsites e, no caso do Zion, é particularmente importante a informação sobre a disponibilidade de sombra.
Passagens aéreas
Ainda com 6 meses de antecedência, e ainda sem saber se conseguiríamos os permits das travessias, achamos que chegara o momento de realizar a compra das passagens aéreas. Vínhamos acompanhando os preços e eventuais promoções há algum tempo e julgamos ter encontrado uma boa oportunidade de voo para Las Vegas, pela Copa Airlines, com escala no Panamá. Caso as reservas das travessias no Zion não dessem certo, precisaríamos improvisar outro roteiro. Nessa mesma visita aos EUA, inclusive, já estávamos planejando visitar outros parques. Então, em último caso, partiríamos para trilhas de um dia apenas (que em geral não precisam reservas), seja no próprio Zion, ou em outro parque.
Inscrição no sorteio
Foto: Alexandre Ciancio
Com 3 meses de antecedência, chegou a hora da inscrição para o sorteio dos permits para a travessia The Subway. A inscrição é feita pelo site do Parque. No formulário de inscrição o candidato pode informar até três datas de interesse. Selecionamos propositalmente três datas no meio da semana, para aumentar as nossas chances de sucesso. Para cada uma das datas, planejamos como seria o encaixe das demais atividades do roteiro. Nosso cenário ideal era percorrer a Subway no nosso último dia de viagem. Sabíamos que ela seria uma longa caminhada, com horário de retorno incerto. Se tivéssemos que iniciar uma outra travessia no dia seguinte, corríamos o risco de não voltar à parte estruturada do parque a tempo de retirar a autorização para o percurso seguinte. Isso porque, apesar do processo de reserva dos permits ser feito online, o visitante é obrigado a se apresentar presencialmente ao Parque, na véspera da realização do percurso, para obtenção da autorização "de fato". Com a inscrição no sorteio efetuada, só nos restava aguardar o resultado, a ser divulgado no mês seguinte.
Carro e hotel
Enquanto aguardávamos o resultado, providenciamos o aluguel do carro e reservas de hotel. A reserva do carro foi feita com a Dollar. Não tivemos problemas com o serviço, mas posteriormente descobrimos que certamente teríamos conseguido preços melhores em sites como o Rent Car e o Rental Cars, os quais utilizaríamos nas visitas ao Yellowstone e Grand Teton, em anos seguintes. A hospedagem na nossa chegada em Las Vegas foi feita no Silverton e, para o retorno do parque, no Super 8. Esse último se tornaria nosso "hotel oficial" para as próximas viagens com base em Las Vegas. Ele não cobra a inconveniente "taxa de resort" praticada pelos demais hotéis-cassino da cidade e oferece tudo que precisamos para uma viagem desse tipo, por um preço relativamente baixo.
Resultado The Subway e outros permits
No final da manhã do dia 5 de agosto, faltando cerca de 2 meses para a viagem, recebemos um e-mail do Parque, com o resultado do sorteio da The Subway. Havíamos conseguido a vaga para realizá-la no nosso dia de preferência! Não só poderíamos percorrer um dos trajetos mais procurados no Zion, como também faríamos isso de acordo com nosso cenário ideal. Às 13 horas do mesmo dia, também se abriria a janela de reservas dos permits das demais travessias. Pouco antes desse horário, eu já estava a postos, em frente ao computador. Às 12:59 os servidores do NPS já tinham começado a não dar conta da demanda gerada por sei lá quantos usuários dando "refresh" nos seus navegadores simultaneamente. Mesmo recebendo mensagens de erro de conexão, insisti na página de reservas até conseguir acesso. Uma vez dentro, o primeiro permit que tentei, e obtive sucesso, foi para a concorridíssima The Narrows. Poucos minutos depois, não restava praticamente nenhuma vaga para esta travessia em todo mês de outubro. Assim como na Subway, certamente nos ajudou o fato de termos escolhido dias no meio da semana também para essa travessia.
Imediatamente após ter fechado a reserva da The Narrows, comecei a tentar os permits para os pernoites da Zion Traverse. Dessa vez, infelizmente, conseguimos permits apenas para três das quatro noites que precisávamos para executar o roteiro. E o pior: Caso tivesse ficado faltando o permit da última noite, poderíamos simplificar o trajeto, finalizando a caminhada em The Grotto. Mas ficara faltando nossa terceira noite, programada para o West Rim. Esse pernoite havia caído justamente em um sábado. Por mais que tivéssemos tentado evitar os finais de semana, em um roteiro longo como o nosso, era impossível desviar de todos. Estávamos simultaneamente alegres por termos conquistado duas travessias extremamente procuradas, e muitíssimo decepcionados pela maior travessia do parque estar comprometida. Nos dias seguintes começamos a pensar em planos alternativos, ao mesmo tempo que, sem muitas esperanças, continuávamos a, volta e meia, acessar o site do parque em busca de uma desistência. Três dias depois, num início de tarde, recebi a ligação do meu amigo avisando que tinha conseguido a noite faltante. Certamente estávamos mais felizes que crianças que encontram a última figurinha do álbum. Estava completo o nosso roteiro!
Shuttles
Foto: Alexandre Ciancio
Com os permits assegurados, partimos logo em seguida para fechar os shuttles para as travessias. Já tínhamos reservado o aluguel do carro para nos deslocar durante a viagem, mas ele não nos ajudaria com as travessias. Precisaríamos alguém para nos levar de volta para o carro quando finalizássemos as caminhadas dezenas de quilômetros distantes do ponto de partida. A essa altura, já havíamos pesquisado por pessoas e empresas que realizam esse serviço na região. Não existem muitas alternativas. Mas encontramos a Zion Adventures (a mesma que aluga equipamentos em Springdale), muito bem recomendada na Internet. E não é para menos. O profissionalismo da empresa foi impecável desde a reserva até a execução do serviço. Contratamos os translados para as três travessias com eles. Adicionalmente, contamos com o ônibus interno do parque, disponível na alta temporada, para resolver a logística da The Narrows. Na seção impressões, explico melhor como foram feitos os translados.
Seguro & sorte
Faltando um mês para a viagem, fechei meu seguro de saúde com a World Nomades. Finalmente estava resolvida toda a parte burocrática necessária para a excursão. Porém, fatores alheios ao nosso controle ainda poderiam interferir nos nossos planos. Os slot canyons da Narrows e Subway são regiões de escoamento de água que oferecem um risco elevadíssimo em caso de cheias. O Serviço Geodésico Americano (USGS) disponibiliza um site específico onde é possível consultar os dados de escoamento e diversos outros parâmetros para um impressionante número de cursos d'água em todo o território norte americano, incluindo os rios do Zion. Alguns dados são fornecidos praticamente em tempo real. Uma ferramenta muito útil para monitorar as condições no local. Além dela, dentro do parque são fornecidos boletins diários com a previsão do tempo e volume de água nos rios para embasar a decisão final de entrar ou não no cânion.
Enquanto o principal problema dessas duas travessias é o excesso de água, na Zion Traverse, o risco é a falta de água. A travessia oferece pouquíssimas alternativas para reabastecimento. Conhecer a priori as condições desses córregos e nascentes é de vital importância para o montanhista. Surpreendentemente, o Parque oferecia no seu site, uma página onde era possível consultar as condições mais atualizadas desses pontos de captação de água. Infelizmente, não consegui mais acessá-la enquanto escrevo esse relato. De qualquer forma, dentro do parque, nas Ranger Stations, também é possível obter as informações para a tomada final de decisão.
Organizar a visita ao Zion exigiu bastante estudo e atenção aos detalhes. Tivemos muita sorte de ter conseguido todos os permits para realizar as atividades que gostaríamos, e de uma forma bastante otimizada. A escolha da janela climática funcionou também muito bem. Pegamos manhãs muito frias, mas dias com temperaturas bem toleráveis, além de um visual outonal maravilhoso. O nível das águas nos rios estava favorável para as travessias, os pontos de abastecimento de água escassos, como previsto, mas conseguiram nos suprir nos momentos críticos. Na próxima seção, conto em mais detalhes como foi nossa experiência em cada um dos percursos.
Publicado em: 26/03/2020