Atravessando o sul da Chapada
Desde as primeiras visitas à Chapada Diamantina, eu tinha curiosidade de conhecer os caminhos que conectam a sua parte central ao seu extremo sul. Após muitas dezenas de quilômetros de trilhas percorridos dentro desse apaixonante parque nacional, achei que chegara o momento de explorar aquela rota tão pouco conhecida. Reuni um grupo de amigos experientes e dispostos a encarar o desafio. Escolhemos o final de maio para a viagem, quando se iniciam os três meses de temperaturas mais amenas, assim como a época de estiagem. Com isso, os córregos ainda estariam com água para nos abastecer e, ao mesmo tempo, as chuvas não seriam uma preocupação. Levantamos a maior quantidade de dados possíveis sobre o trajeto pretendido, porém conseguimos pouquíssimas informações.

Foto: Ramon Diacovo
Inicialmente, o plano era começar a travessia pelo Baixão, povoado próximo à Ibicoara, no sul da Chapada. Visitar a Cachoeira da Fumacinha por baixo, ascender para as Gerais do Machambongo através da Fenda da Fumacinha e rumar para o norte, passando por Mucugê, interceptando a borda do Vale do Pati e finalizando em Guiné. Um roteiro de 6 dias de caminhada. Os 40 Km finais entre Mucugê e Guiné precisariam ser vencidos nos 2 últimos dias de travessia. Um longo trecho a ser percorrido, sem nenhuma margem para erro. Afinal, o avião de volta para casa não iria nos esperar. Para minimizar esse risco, decidimos inverter o sentido do percurso. Iniciaríamos por Guiné e seguiríamos para o sul, em direção à Ibicoara. Dessa forma, teríamos melhor margem de manobra para redistribuir a quilometragem ao longo dos dias, caso fosse necessário.
Outro ponto de atenção do nosso roteiro seria a Fenda da Fumacinha. A Fenda é uma passagem de pedras que conecta a parte da cima dessa cachoeira com a sua parte inferior, dentro de um cânion estreito e profundo. Não conhecíamos o local e as poucas informações que possuíamos sobre o trecho apontavam para uma passagem perigosa, íngreme, com pedras escorregadias. Precisaríamos então levar uma corda e alguns equipamentos de segurança extras por toda a travessia, para eventualmente serem utilizados apenas nessa pequena parte do percurso. Ainda assim, caso as condições climáticas não estivessem favoráveis poderíamos abortar a descida e finalizar a travessia em Campo Alegre, usando a trilha de acesso à Cachoeira da Fumacinha por cima. Tempo chuvoso certamente tornaria a descida da tal Fenda mais perigosa, para não mencionar os riscos da caminhada dentro do cânion da Fumacinha.

Alguns ajustes de última hora ainda precisaram ser feitos nesse roteiro, mas contarei essa história durante o restante do relato. Ao final da viagem, percorremos mais de 100 Km. Foi o roteiro mais extenso que já realizamos na Chapada. Apesar dos ajustes que foram necessários no roteiro e dos poucos dados prévios, conseguimos cumprir as principais metas definidas em nosso planejamento e finalizamos os 6 dias de caminhada com sucesso. Foi uma riquíssima experiência de orientação em área remota, e uma experiência deliciosa de isolamento e imersão no coração da Chapada Diamantina. O grupo foi excepcional, sempre com postura positiva, resiliência e muita disposição física para superar os desafios do trajeto. Mais uma excursão que ficará na memória e mais uma oportunidade para corroborar a Chapada como um dos melhores destinos no Brasil para grandes travessias.
Publicado em: 22/07/2019
Última atualização: 06/10/2024